VITÓRIA ABENÇOADA

Processo de freira de Cascavel muda regras da foto da CNH

Irmã Beatriz, comemora a vitória da luta iniciada em Cascavel, pela irmã Kelly
Foto: Arquivo Pessoal
Irmã Beatriz, comemora a vitória da luta iniciada em Cascavel, pela irmã Kelly Foto: Arquivo Pessoal

A foto que é tirada e fica na CNH (Carteira Nacional de Habilitação) nem sempre agrada os motoristas pelas exigências legais para identificação do condutor. Mas há casos especiais que, agora passaram a ter tratamento diferenciado. Um destes casos tem uma história de mais 20 anos, quando uma freira cascavelense que foi impedida de tirar a foto para renovação da sua CNH vestida com o hábito religioso e, por causa deste processo, o Contran (Conselho Nacional de Trânsito) publicou nesta semana uma nova regra que passa a permitir que os motoristas usem itens de vestuário que cubram parte do rosto e da cabeça na foto.

A mudança deixa claro que isso só pode ser feito desde que seja por motivos religiosos, de crença, queda de cabelo decorrente de doenças ou por tratamento médico. A Resolução 1.006/2024, altera a Resolução 886, de 13 de dezembro de 2021, que regulamenta as especificações, a produção e a expedição da CNH. A partir de agora, os itens de vestuário relacionados à crença ou religião, como véus e hábitos, e relacionados à queda de cabelo por causa de doenças e tratamentos médicos poderão ser utilizados nas fotos usadas confecção da primeira via ou renovação do documento, porém a face, a testa e o queixo precisam ficar visíveis.

No entanto, a legislação mantém a proibição para utilização de óculos, bonés, gorros e chapéus nas fotos da carteira de motorista. Em fevereiro deste ano a AGU (Advocacia-Geral da União) enviou documento ao STF (Supremo Tribunal Federal) em que informava a intenção do governo federal de alterar as normas sobre trajes religiosos em fotos da CNH. Na ocasião, a AGU argumentou que medida é para respeitar a liberdade religiosa e facilitar o reconhecimento dos cidadãos pelas autoridades de segurança pública.

Além disso, o pedido era de ressaltar que não é vedado o uso de roupas religiosas para emissão da carteira de identidade e do passaporte. No mesmo mês, o STF iniciou julgamento de ação sobre permissão para uso de trajes religiosos que cobrem rosto e cabeça em fotografias de documentos oficiais e a regra mudou. Na sede da 7ª Ciretran, de Cascavel, a mudança da lei já está sendo cumprida, de acordo com a direção do órgão.

Decisão do TRF4

Em maio de 2014, o TRF4 (O Tribunal Regional Federal da 4ª Região) confirmou, sentença que determinou à União e ao Detran (Departamento de Trânsito) do Paraná que permitiu a todas as freiras católicas da Região de Cascavel retirar e renovar a CNH com o hábito religioso completo. À época, a decisão frisava, entretanto, que na fotografia o hábito deverá cobrir apenas a parte de trás da cabeça, deixando livres as orelhas, e que as religiosas deverão comprovar ao Detran-PR que fazem parte da Instituição que afirmam integrar.

A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público Federal, após o Detran-PR recusar-se a expedir a CNH de uma religiosa católica por esta ter feito a fotografia com o véu do hábito de freira. Conforme o órgão, o Brasil é um Estado laico e a regulamentação proibia item de vestuário que venha a cobrir parte do rosto ou cabeça, impedindo o reconhecimento fisionômico do motorista.

Após a ação ser julgada procedente pela 2ª Vara Federal de Cascavel, a União e o Detran-PR apelaram contra a decisão no tribunal. Segundo o relator do processo, desembargador federal Fernando Quadros da Silva, a Constituição brasileira garante a liberdade de crença, não podendo esta ser revogada por norma do Detran. Com isso, a partir do caso da freira Kelly Cristina Favaretto, todas as irmãs da Congregação das Pequenas Irmãs da Sagrada Família, de Cascavel, tiveram seus votos respeitados pelo órgão estadual. Kelly Favaretto tinha sido impedida de renovar a CNH porque se recusou a tirar o hábito para a fotografia do documento. O MPF (Ministério Público Federal), por meio da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, emitiu parecer defendendo que a exigência era contrária ao disposto no art.  da Constituição Federal. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) concordou com a tese e proferiu acórdão favorável.

Irmã Beatriz comemora

A reportagem do Jornal O Paraná conversou com a irmã Beatriz Aparecida Soares da Silva, que faz parte da Congregação de Irmãs Franciscanas Angelinas, sobre a decisão e ela disse que acredita que a mudança é uma importante conquista, visto que o uso da vestimenta é de suma importância para as religiosas. “É sinal de consagração e de entrega e é inconcebível ter a vestimenta e não poder usar, sendo que isso é do próprio dia a dia”, relatou.

A irmã lembrou que ela fez a sua CNH em 2016 e que na época não teve problemas, mas que muitas colegas dela de congregação não conseguiram, já que os funcionários alegavam que elas teriam que retirar o véu que cobre parte da cabeça e deixar as orelhas de fora. “Mas isso não representava a nossa realidade, porque vivemos na sociedade com estas vestimentas e o fato de ter um adereço é uma particularidade nossa; é aquilo que nós somos”, reforçou.