Cotidiano

Museu de Arte do Rio inaugura mostra sobre a 'carioquice' no gesto

RIO – Existe uma maneira de se mover, de ocupar o espaço, que seja típica do carioca? Há coisas que só existem no Rio? Uma espécie de gíria gestual? São perguntas que não permitem uma resposta exata, mas dão bom gancho para uma investigação visual sobre o morador da cidade. Propostas pelo curador Paulo Herkenhoff, elas serviram de mote à exposição ?Linguagens do corpo carioca [a vertigem do Rio]?, que será inaugurada hoje, às 10h, no Museu de Arte do Rio ? MAR. Em seguida, às 11h, Herkenhoff e o cocurador Milton Guran, acompanhados de alguns artistas, participam do evento Conversa de Galeria, aberto ao público.

?Linguagens do corpo carioca? tem cerca de 800 obras de mais de 150 artistas ? o grande número se explica pelas projeções que reúnem diversas imagens, uma opção da curadoria ?para que o visitante seja transportado para um território de sensações?, diz Guran. Mas a exposição, apesar de eminentemente audiovisual, com muitos filmes e fotografias, reúne ainda desenhos, gravuras e outras obras, como o bordado sobre travesseiro, com objetos, de Rozana Palazyan, da série ?… uma história que você nunca mais esqueceu?? (2000/2007), baseada em depoimentos de jovens infratores internados numa instituição.

? A gente está pensando a identidade carioca usando como vetor o próprio corpo, na sua relação consigo próprio, com as outras pessoas e com a cidade ? diz Guran.

Os curadores contaram com uma vasta pesquisa para chegar aos 12 núcleos em que dividiram a exposição. Em ?Corpos cosmopolitas e locais?, por exemplo, estão as séries ?Na lona?, de Rogério Reis, com foliões do carnaval de rua, e ?Menina do Rio?, de Ana Stewart, que registrou garotas de comunidades cariocas em 2003, voltando às mesmas personagens dez anos depois. E ainda duas séries de sonatinas de Alair Gomes, com duplas de rapazes se exercitando na praia. Em ?Corpos vorazes?, um longo arco abrange das gravuras dos pintores viajantes dos séculos XVI a XIX, como o belga Theodor de Bry (1528-1598), com cenas de canibalismo, ao conjunto de desenhos do russo Dimitri Ismailovitch (1892-1976), que representam cerca de cem ?tipos étnicos? do Brasil originados de todo o mundo. Os conceitos de antropofagia e voracidade se ampliam para uma dimensão simbólica, das chacinas nas periferias à libido exacerbada que aparece em fotografias como ?Baile funk?, de Vincent Rosenblatt, e ?O monstro de mil mãos, baile funk?, de Daniela Dacorso.

traumas e delícias da cidade

No núcleo ?Corpos melancólicos?, surge o inevitável trauma provocado pela cidade. Está presente em trabalhos como o de Anna Kahn, que fotografou, na série ?Bala perdida?, locais onde cidadãos foram mortos. Sempre à mesma hora da madrugada, ela captou os cenários desabitados, lúgubres, amplificados por legendas como: ?Cátia, 32 anos, dona de casa. Ela estava na praia de Copacabana com amigos e sua filha de oito anos de idade?. O português João Pina, autor da contundente série ?Condor?, sobre os porões das ditaduras militares na América Latina, aparece com o que chama de ?preview? de um trabalho sobre o Rio.

Há, ainda, um vídeo de Igor Vidor, realizado na Vila Autódromo durante o processo de remoção dos moradores para as obras olímpicas, e um de Virgina de Medeiros, que entrevistou as meninas do bordel Flórida, vizinho ao museu. O elenco de artistas é grande ? de Alexandre Mazza, com a atraente ?Se é pra ser amor, que marque a alma? (2014), a Artur Omar, com sua consagrada série ?Antropologia da face gloriosa?, que expõe a essência da alma carioca. A relação com a água, por exemplo, ganha um núcleo próprio, onde há fotos como as de Julio Bittencourt no Piscinão de Ramos e de Marcos Bonisson no Arpoador.

? Queremos mostrar o Rio como um grande liquidificador da raça. De capital da colônia a capital da República, a cidade atraiu gente de todas as regiões do país. Aqui se misturou tudo ? diz Guran.