A queda de braço entre o Congresso Nacional, Senado, Supremo Tribunal Federal e a Presidência em torno do Marco Temporal, tem deixado ruralistas e indígenas, em meio a um clima de tensão e de incertezas. Em Guaíra e Terra Roxa, cidades que têm históricos de conflitos e manifestações envolvendo as questões indígenas, o clima é de apreensão. Em Guaíra, por exemplo, protestos já resultaram inclusive no fechamento da Ponte Ayrton Senna.
Na edição de 1º de junho deste ano, o Jornal O Paraná publicou com exclusividade e posteriormente divulgado por meios de comunicação em nível nacional, o impacto da invalidação da tese do Marco Temporal e a insegurança jurídica estabelecida, comprometendo uma área de 22 mil hectares nos dois municípios do oeste paranaense.
Apesar do clima tenso, não há nenhuma movimentação específica seja de ruralistas ou dos indígenas em relação a possíveis manifestações sobre os últimos acontecimentos em torno do Marco Temporal, com apenas um caso isolado, conforme o presidente do Sindicato Rural de Guaíra, Silvanir Rosset. “Há poucos dias [21 de setembro deste ano] ocorreu uma tentativa de invasão a uma propriedade atribuída a um grupo de indígenas”, disse à reportagem do O Paraná. A ameaça foi contida por profissionais da Funai (Fundação Nacional do Índio) e pelo BPFron (Batalhão de Fronteira). O acampamento já estava começando a ser erguido.
Ainda sobre o embate político sobre o Marco Temporal, Rosset resume em uma frase: “Ninguém sabe quem manda no País”. Para ele, se antes o cenário já não era dos mais favoráveis, “imagina agora, com toda essa celeuma sobre o tema”. “Era para ser o contrário, mas o STF é o órgão com menos credibilidade atualmente no Brasil”, avalia o líder ruralista.
Uma semana depois de o Supremo Tribunal Federal derrubar a tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas, índios ocuparam uma fazenda em Tamarana, no norte do Estado. Com aproximadamente mil hectares, a área foi ocupada por 300 indígenas da tribo caingangue. Na ocasião, a Polícia Militar e a Polícia Federal foram mobilizadas.
O Marco Temporal
O chamado “Marco Temporal” é a tese que vem sendo debatida no Congresso e no STF segundo a qual a demarcação de terras indígenas só poderia ocorrer em comunidades já ocupadas por indígenas quando a Constituição foi promulgada, em 5 de outubro de 1988. O julgamento do STF foi sobre um caso envolvendo uma parte da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, em Santa Catarina, habitada pelos povos xokleng, kaingang e guarani.
A disputa envolvia, de um lado, a Funai (Fundação Nacional do Índio), e de outro, órgãos do governo estadual de Santa Catarina, que reivindicavam áreas que a Funai havia declarado como tradicional ocupação indígena.
Ambientalistas e lideranças indígenas rejeitavam o marco temporal sob o argumento de que muitas comunidades foram expulsas de seus territórios originais antes de 1988. Era esse o argumento usado pelos xokleng no julgamento no STF. Eles dizem que foram forçados a deixar as áreas tradicionalmente ocupadas para fugir de “perseguições e matanças”. Ruralistas, por outro lado, alegam que o não estabelecimento de um marco temporal causa insegurança jurídica, pois abre precedente para que áreas ocupadas por não-indígenas possam ser reivindicadas como terras indígenas mesmo que elas não estivessem sendo habitadas por povos tradicionais antes da promulgação da Constituição Federal.
FPA alerta o “enfraquecimento do direito de propriedade”; vetos ainda sem previsão
A FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) esteve reunida nesta semana para discutir a derrubada dos vetos presidenciais, publicados no último dia 20 ao projeto de lei que trata do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas, o PL 2903/2023. “Nós estamos mobilizados para derrubar esses vetos que são extremamente excessivos. Acabaram, desvirtuaram completamente a lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional,” disse o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR).
O parlamentar destacou que a bancada está em articulação com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, da Câmara dos Deputados, Arthur Lira e com líderes partidários para inclusão na sessão do Congresso Nacional. “Queremos saber se tem condições de haver uma alteração de pauta para receber esses vetos ou se serão só os que estão trancando a pauta”, disse Lupion. Ele explica que a bancada tem negociado para buscar entendimento em relação ao tema que passa a trancar a pauta a partir de 22 de novembro.
A bancada tem preocupação com o enfraquecimento ou relativização do direito de propriedade no Brasil, em especial para aqueles que são ocupantes de boa fé, com títulos de propriedade. O governo federal já informou que não possui caixa para indenizar os proprietários antes de proceder com a expropriação de terras, gerando total insegurança para a população rural brasileira.
De acordo com a Funai, existem no banco de dados 736 áreas com registros na Fundação, sendo dessas 132 áreas em estudo para processo demarcatório, 48 áreas delimitadas, 67 áreas declaradas, 123 homologadas e 477 áreas regularizadas. Além dessas, ainda há aproximadamente 490 reivindicações de povos indígenas em análise (Dados de 2021).
Vetos sem previsão
O vice-presidente da FPA, deputado Arnaldo Jardim (CD-SP), ressaltou que a indefinição sobre o tema traz muita insegurança. “Nós queremos ter um compromisso do presidente Rodrigo Pacheco de que na próxima sessão do Congresso seja incluído o Marco Temporal”.
Os vetos de Lula a trechos do arcabouço fiscal, que tinham previsão de constar na pauta do Congresso Nacional na última semana, “travaram” e, agora, caminham junto aos do marco temporal, apurou o portal Congresso em Foco. A bancada ruralista quer incluir os vetos Marco Temporal na mesma sessão.
Por isso, diante do impasse, a sessão do Congresso que estava marcada para quinta-feira (25) foi adiada. Sem votar os vetos ao arcabouço, a nova meta fiscal do governo não pode ser implementada, preocupando o Palácio do Planalto.
A FPA reúne mais de 250 votos e, sendo uma das maiores bancadas do Congresso, tem forte poder de pressão, tendo os votos necessários para derrubar os vetos do presidente, já que são necessários 257 votos na Câmara e 41 no Senado. A bancada ruralista já avisou que os vetos ao Marco serão “objeto de derrubada”.
Em Brasília, presidente da SRO pede empenho para solução do impasse
Em visita recente a Brasília, o presidente da SRO (Sociedade Rural do Oeste do Paraná), Devair Bortolato, o “Peninha”, agradeceu o empenho de deputados e senadores e reforçou o pedido para a derrubada do veto presidencial e a edição de uma PEC para colocar ponto final no impasse sobre o Marco Temporal que se arrasta há anos e tem tirado a tranquilidade do campo em todo o Brasil. “Estive em Brasília para agradecer os parlamentares por sempre votarem a favor do agronegócio, mas principalmente, pedir apoio e empenho aos deputados federais e senadores envolvendo a questão do Marco Temporal.
Peninha comentou que nas conversas que estabeleceu com os políticos defensores do agronegócio, todos manifestaram apoio às principais demandas do setor. “Viemos mostrar que estamos atentos e acompanhando, mesmo de longe, o trabalho de cada um”. Para ele, essa postura de ir até Brasília, precisa ser adotada pelas sociedades rurais de todo o Brasil, além dos sindicatos e entidades ligados ao segmento. “Se o Supremo Tribunal Federal derrubar o veto novamente, a alternativa será uma emenda constitucional que regularize toda a celeuma”.
Debate é “complexo e sensível”, diz Sindicato Rural de Cascavel
O Sindicato Rural de Cascavel também manifestou seu posicionamento em relação ao PL 2.903/2023. A entidade ruralista entende que o debate em torno das terras indígenas é complexo e sensível, envolvendo questões históricas, culturais e socioeconômicas. Para o Sindicado, é essencial que se busque um equilíbrio entre o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e a necessidade de promover o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
“Nesse sentido, o Marco Temporal representa uma tentativa de estabelecer critérios objetivos para a demarcação de terras, o que pode contribuir para reduzir conflitos e incertezas que afetam tanto os povos indígenas quanto os produtores rurais”.
Além disso, o Projeto de Lei 2.903/2023 prevê a exploração econômica das terras indígenas, desde que haja aprovação da comunidade indígena e benefícios para todos os seus membros. Essa abordagem pode abrir caminho para parcerias que permitam o desenvolvimento sustentável das terras indígenas, proporcionando melhores condições de vida para essas comunidades.
O Sindicato Rural de Cascavel reconhece a importância de se respeitar os direitos originários dos povos indígenas, bem como de promover o diálogo e a cooperação entre todas as partes envolvidas. Acreditamos que o “Marco Temporal” pode ser um passo na direção de um debate mais transparente e construtivo sobre as questões territoriais indígenas. Por fim, destaca que a posição busca representar os interesses dos produtores rurais desta região, mas estamos abertos ao diálogo e à busca de soluções que promovam o desenvolvimento sustentável e o respeito aos direitos de todos os brasileiros.