Cotidiano

Ex-superintendente do Incra traça histórico da regularização fundiária na faixa de fronteira

Ex-superintendente do Incra traça histórico da regularização fundiária na faixa de fronteira

Quando o assunto é regularização fundiária, difícil não buscar informações e análises a uma das sumidades no assunto no Paraná – porque não dizer no Brasil-, o engenheiro agrônomo Walter Pozzobom, ex-superintendente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) do estado. Natural de Bela Vista do Paraíso, no norte do Estado, Pozzobom ingressou no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em 1978. De lá para cá foram grandes os desafios envolvendo os gargalos da questão fundiária.

Formado em agronomia pela Universidade Federal do Paraná, Pozzobom esteve recentemente Cascavel, participando da reunião na SRO (Sociedade Rural o Oeste do Paraná). Em foco, as questões fundiárias do Paraná e, principalmente, um resgate histórico da Faixa de Fronteira. O engenheiro agrônomo ajudou a formar e a estruturar o Incra no Paraná. Um dos principais trabalhos dele envolveu a regularização fundiária do Parque Nacional do Iguaçu. Na reunião na SRO, Pozzobom abordou também temas contemporâneos como a compensação da reserva legal, parâmetros de produtividade e usucapião na Faixa de Fronteira.

A Faixa de Fronteira ocupa um terço da dimensão do Paraná e vai de Querência do Norte a Palmital, totalizando 6 milhões de hectares. A todo são três as Faixas de Fronteira. A primeira, desde 1850, possui 66 km, sob competência da União para regularizar o domínio. “O grande impasse começou em 1900, quando o Estado começou a emitir os títulos”. O mesmo ocorreu com a segunda faixa, a de 100 km, conhecida como Braviaco.

 

“Era Lupion”

Tudo começou quando o governo federal fez a concessão para uma empresa de capital francês, com o propósito de realizar a estrada de ferro São Paulo ao Rio Grande do Sul. “Os construtores seriam Teixeira Soares e Fernandes Pinheiros, mas o projeto não chegou a sair do papel, gerando todo o imbróglio”. O canteiro de obras até chegou a ser iniciado, mas não passou disso. “A União fez a rescisão com a Braviaco e o Governo do Paraná na época começou a emitir títulos em Catanduvas, Rio das Cobra e Piquiri”. Segundo ele, em 1950, foram expedidos nas Faixas de Fronteira de 100 km e de 50 km, 25 mil títulos na Era Lupion, com área média de 400 hectares. Em 1955, a zona de segurança foi expandida para 150 km.

O Incra foi criado em 1970, em substituição ao Ibra (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária), este criado em 1964 durante o governo militar. “Teve início então a desapropriação de grandes perímetros da faixa de 66 km, 100 km e 150 km, formando perímetros com a ocorrência de muitas disputas e mortes pelas terras”.

Pozzobom ajudou a desatar vários nós fundiários até 1985. “Só ficou para trás a área da Braviaco, porque demandou muito tempo e a equalização financeira por conta de denúncias de concessão ao Estado”. A partir de 1982, segundo ele, “os ventos democráticos começaram a soprar, com a organização das forças sociais”.

 

Reforma Agrária

Em 1985, o governo federal lançou o Plano Nacional de Reforma Agrária, buscando áreas improdutivas para garantir o assentamento das famílias. “O conflito não era pela posse da terra, mas sim pelo acesso a ela”, descreve. “De 1985 para cá, foram desapropriadas 400 áreas e assentadas 24 mil famílias”, revela. “O ato de desapropriação é pesado. Quase 45% dos proprietários expropriados faleceram durante ou pouco tempo depois do processo. Áreas vistoriadas pelo Incra eram sinônimo de invasão”.

Hoje, a realidade na Faixa de Fronteira é outra. Conforme o ex-superintendente do Incra no Paraná, 70% de toda a área já foi regularizada pelo Incra desde 1970, ou seja, dos 6 milhões de hectares da Faixa de Fronteira, 4 milhões já foram regularizados. Ainda faltam 30% ou 1,8 milhão de hectares. Somente a área da Braviaco, são 900 mil hectares e os outros 800 mil hectares pulverizados na Faixa de Fronteira.

Em 2017 e 2018, Pozzobom assumiu a superintendência do Incra no Paraná e o primeiro grande desafio envolveu a atualização das normas de regularização, apontadas por ele na época como defasadas. “Fizemos duas normativas para regularizar qualquer tipo de irregularidade dominial dentro da faixa de fronteira”.

Em janeiro de 2019, Walter Pozzobom foi exonerado, mas as normativas continuaram tramitando e foram aprovadas no Governo Bolsonaro e vigente até o momento. “O Incra se reestruturou e se modernizou. Antes, o Incra precisava de 10 funcionários para regularizar uma propriedade e hoje, com a informatização, o panorama inverteu: basta apenas um técnico para dar conta de dez propriedades”, exemplifica.

 

Ratificação dos títulos

Entre os anos de 1980 e 1985, o Incra e o Governo do Estado realizaram um convênio para ratificação dos títulos expedidos indevidamente pelo governo estadual. O governou federal convalidou títulos já expedidos, conforme relata Pozzobom. “Muitas propriedades ainda não contam com essa ratificação pelo fato de alguns produtores não irem atrás da regularização”.

As novas instruções normativas deram carta branca para o produtor buscar essa regularização sem depender unicamente do órgão público. “Hoje, dificilmente se encontra uma área improdutiva de São Paulo para baixo”, aponta Pozzobom. As novas instruções normativas, aprovadas em setembro do ano passado, entraram em vigor esse ano. Pela nova legislação, os proprietários passam a instruir os próprios pedidos e fazer o posterior protocolo. “Se a ação não evoluir, o caminho é o mandado de segurança”. Outro dado importante: Nos anos de 2021 e 2022, o número de ações de usucapião no Incra do Paraná atingiu um nível considerável.

Em novembro deste ano, entra em vigor a exigência do Incra envolvendo o georreferenciamento das propriedades acima de 25 hectares. De acordo com o mais recente levantamento, 30% das áreas com esse perfil ainda precisam regularizar o procedimento, seja ele regularização ou ratificação.

 

Reserva Legal

O Programa de Regularização Ambiental – PRA compreende, de acordo com o Decreto Federal 7.830/2012, o conjunto de ações ou iniciativas a serem desenvolvidas por proprietários e posseiros rurais com o objetivo de adequar e promover a regularização ambiental com vistas ao cumprimento do disposto no Capítulo XIII da Lei nº 12.651, de 2012. A inscrição do imóvel rural no CAR é condição obrigatória para a adesão ao PRA.

As áreas rurais consolidadas são áreas de imóvel rural com ocupação antrópica preexistentes a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio. Os proprietários desses imóveis terão vantagens com a adesão ao PRA, como a possibilidade de compensação da reserva legal nas modalidades de Servidão Ambiental, Cadastramento de Área Equivalente, doação de área no interior de Unidade de Conservação Estadual, realocação, readequação e retificação de Reserva Legal averbada.

As áreas antropizadas não consolidadas são aquelas degradadas ou alteradas após 22 de julho de 2008 sem autorização do órgão ambiental competente. Para essas áreas conseguirem ser regularizadas, é necessária a restauração da reserva legal, com a apresentação do PRAD, junto ao órgão.

Quando o produto realizar o CAR (Cadastro Ambiental Rural), ele se compromete a fazer a recuperação ambiental da reserva legal que não está contemplando os 20%, somada à área de preservação permanente.

Conforme informação apresentada pelo ex-superintendente do Incra no Paraná, 80% das áreas de Querência até Palmas não contam com reserva legal completa. “O produtor tem alguns caminhos a optar e seguir para regularizar a situação: ou sacrifica uma área produtiva com a reserva legal ou então adquire uma área, por exemplo, no litoral, para efetuar a compensação. Também tem a opção de comprar uma área mais barata dentro da unidade de preservação ou Área de Proteção Ambiental”. O produtor ainda pode adquirir uma área e doar para o estado, passando a atribuição para o Estado monitorar e conservar a reserva legal.

 

Área de compensação

Na reunião da Sociedade Rural do Oeste do Paraná, Pozzobom comentou que no início do mês passado, participou de um seminário envolvendo Incra, Funai, ICMbio, entre outros órgãos. Na oportunidade, o analista ambiental da ICMBio, engenheiro agrônomo Cleberson Zavaski, disse – conforme Pozzobom -, que essa compensação de reserva legal pode ser feita em uma unidade de conservação, e neste caso, poderia envolver o Parque Nacional do Iguaçu. “Isso permitiria um benefício a todos os produtores do oeste paranaense, possuidores de uma reserva legal curta. A alternativa é adquirir cotas ambientais no parque ambiental e compensar na unidade”.

Segundo ele, se houver organização política, com apresentação do projeto, “não tem como o governo deixar de autorizar, via decreto, que todo o proprietário com falta de reserva legal possa adquirir cotas ambientais e explorar a unidade de conservação”. Para ele, isso seria muito mais válido do que “ficar querendo reabrir a Estrada do Colono e em contrapartida, o ICMBio resolveria suas finanças por meio das cotas ambientais adquiridas pelos produtores rurais”. Lembrando que essa ideia, por enquanto, não passa de mera sugestão.