
Sereno, Dornelles adotou um tom realista ao tratar do enxugamento da máquina administrativa. Adiantou que vai fazer um ajuste de até 30% no custeio e/ou nos cargos comissionados das secretarias, para chegar a uma economia de R$ 700 milhões anuais. Frisou que, com essas medidas, pretende aumentar a eficiência e a produtividade das pastas, mas que o valor terá pouco efeito diante do rombo de R$ 20 bilhões previsto para este ano nas contas públicas.
Ele deixou claro que a solução para os problemas do Rio passa principalmente pela renegociação da dívida com o governo federal, que só este ano custará R$ 9 bilhões, e pela reforma da previdência, cujo rombo previsto é de R$ 12 bilhões. Para evitar polêmicas, garantiu que não mexerá na área da cultura ? numa clara referência às críticas enfrentadas pelo presidente interino Michel Temer após a extinção do Ministério da Cultura.
? Muitas vezes, as pessoas pensam que é o problema da máquina que representa mais economia. O enxugamento da máquina ocorre mais por eficiência administrativa do que por economia realmente. É um pingo d?água no oceano ? afirmou. ? A única coisa que tenho como certa é a manutenção, intacta, da Secretaria de Cultura. O Rio e Cultura são uma palavra só. De modo que essa é intocável. Os outros cargos todos estão sujeitos a eliminação.
CONVERSAS COM A ALERJ
O governador disse que deve fazer os cortes de secretarias por decreto. Nos bastidores, diz-se que as mais cotadas são as pastas de Envelhecimento Saudável, Dependência Química e Desenvolvimento Regional e Pesca. Ao ser cobrado sobre o enxugamento de fundações e autarquias do estado, ele afirmou que confia na interlocução com a Alerj ? a proposta de extinção desses órgãos enviada pelo Executivo acabou engavetada pela Casa. Segundo Dornelles, os projetos foram enviados para a apreciação dos deputados de ?forma imatura?: Crise – 17/05
? A gente só deve mandar a carta depois de receber a resposta. Tem que conversar primeiro.
Ele também falou sobre sua posição em relação a um projeto de lei que suspenderia por dois anos todos os benefícios fiscais concedidos pelo estado. Inicialmente, tinha defendido a medida na Alerj. Mas mudou de ideia, ponderando que havia sido muito radical:
? Até o vento, que não raciocina, muda de direção.
Dornelles classificou a situação do caixa estadual como caótica. Admitiu que permanece a incerteza sobre o pagamento em dia, no mês que vem, dos servidores da ativa e inativos. O governador afastado Luiz Fernando Pezão, que se licenciou para se tratar de um câncer, costumava dizer que estava atrás de ?uma cartola para tirar um coelho?, referindo-se à dificuldade para encontrar recursos destinados aos salários. Dornelles afirmou que, atualmente, tem de ?inventar o coelho da cartola a cada mês?:
? No mês passado, pagamos tudo. Este mês, vamos fazer força, mas está difícil.
Sobre a greve de professores, que já dura quase três meses, e a ocupação de 69 escolas, ele garantiu que não vai deixar a polícia entrar nos colégios. Dornelles disse esperar o fim do impasse com a chegada de Wagner Victer ao comando da Secretaria de Educação, após a saída de Antonio Neto.
? Aumento de salário não tem. Não temos recursos. Tem que estabelecer que nós liberamos as faltas do passado. Tem que estabelecer que, a partir de agora, quem faltar será descontado no salário.
Também como medida de austeridade, o governador entende que é possível reduzir os gastos, de R$ 1 milhão para até R$ 600 mil mensais por UPA, com a troca das OSs na gestão das unidades de saúde pelo modelo das fundações estaduais de direito privado. Ele disse que, a princípio, deve manter essas organizações nos serviços especializados.
? Não podíamos tirar as OSs dos hospitais, que são mais sofisticados. Mas as UPAs, acho que podemos administrar por um custo bem menor.
A substituição das OSs em pelo menos dez UPAs vai implicar, a médio prazo, uma restruturação da Fundação Estadual de Saúde, que já administra três unidades no Rio, incluindo o HemoRio, que enfrenta problemas financeiros, com falta de pagamento de terceirizados. Hoje, o custeio da fundação gira em torno de R$ 30 milhões mensais, que também vêm minguando diante dos repasses irregulares do tesouro estadual à saúde.
? Estamos aprimorando instrumentos de gestão da Fundação de Saúde e reconstruindo serviços ? diz o secretário estadual de Saúde, Luiz Antônio Teixeira Júnior. ? Nas boas OSs, a tendência é não mexer. A gente vai começar a reestruturação pelas organizações com que eu e a população não estamos satisfeitos.
CREMERJ ELOGIA MEDIDA
Hoje, as 30 UPAs do estado são geridas por seis organizações sociais diferentes. A secretaria não informou quais delas migrarão para a gestão da Fundação Estadual de Saúde.
A decisão do governo foi bem recebida por entidades de classe. O presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, Jorge Darze, afirmou que a saída das OSs significa ?um passo à frente?:
? A fundação é menos pior do que as organizações sociais, mas ainda é uma instituição de direito privado. A posição que o governador assume é bem-vinda.
O vice-presidente do Cremerj, Nelson Nahon, também se disse favorável:
? Se essa posição foi tomada, somos favoráveis a que o estado faça a gestão das unidades públicas. É a sua função. Temos recebido reclamações constantes de médicos sobre falta de aparelhagem e condições de trabalho sob a gestão das OSs.
Dornelles também falou sobre a segurança nas Olimpíadas e o aumento dos índices de criminalidade no Rio. Ele afirmou que confia na interlocução com o governo federal.
? Conto muito com a União e com a Força Nacional. Precisávamos de 70 mil homens (para os Jogos), mas até agora não se chegou a essa meta. Estamos discutindo. Estarei com o ministro da Defesa depois de amanhã, vou dar uma chorada para enfatizar a importância da segurança durante as Olimpíadas.
PRIVATIZAÇÃO DA CEDAE: ‘POR MIM, FARIA ISSO HOJE’

anunciou que pretende privatizar o abastecimento de água e o serviço de esgoto
na região da Barra e na Zona Sul. Hoje, o saneamento nessas áreas é feito pela
Cedae. Segundo o governador, se a decisão dependesse apenas dele, o sistema
seria concedido imediatamente:
? O que puder ser privatizado vai ser privatizado,
inclusive a Cedae. Nós temos a intenção de fazer um sistema de concessão,
transferindo para o setor privado a distribuição de água e a exploração de
esgoto na Barra e na Zona Sul.
No entanto, Dornelles reconheceu que o ?martelo não está
batido? nem na cúpula do governo nem na própria Cedae:
? Eu estou dizendo que é o caminho que eu queria seguir.
Tem posições muito contrárias a esta, sob o fundamento de que a receita que a
Cedae recebe para a exploração da água na Barra e na Zona Sul é importante para
que ela possa fazer realmente investimentos em áreas mais pobres do Rio, como a
Baixada Fluminense. Contudo, acho que muitas vezes o que receberíamos, caso a
concessão fosse feita, daria para fazer investimentos nessas áreas com mais
eficiência. Se dependesse de mim, faria isso hoje ? ressaltou.
Nos bastidores, a estimativa é que a negociação do serviço apenas na região
da Barra, do Recreio e de Jacarepaguá poderia render cerca de US$ 4 bilhões
(cerca de R$ 14 bilhões) para o caixa do estado. Quem é contra a medida alega
que a companhia não recebe repasses do Tesouro (logo, não dá despesa), tem baixo
valor de mercado e dívidas, como um grande passivo trabalhista. Em 2015, a
companhia contribuiu, pela primeira vez, com R$ 60 milhões para o Tesouro
estadual, recursos relativos ao exercício de 2014. O repasse está previsto na
lei federal que dispõe sobre o pagamento de dividendos a acionistas ? o governo
do estado detém 99% das ações da Cedae.
Um dos defensores da privatização é o presidente da
Alerj, Jorge Picciani (PMDB). Do lado contrário, está o próprio governador
licenciado Luiz Fernando Pezão, que já declarou ser contra a medida. Em
entrevista ao GLOBO no início do ano, Pezão explicou os motivos pelos quais não
privatizaria a Cedae nem parte dos seus serviços. Segundo ele, a arrecadação da
Cedae com o serviço prestado na Barra faz parte das garantias de empréstimos que
o governo fez para construir a Estação de Tratamento de Guandu II (ampliação da
estação de tratamento), que vai permitir fornecer água para toda a Baixada. Na
época, Pezão informou que estava repassando R$ 1,5 bilhão para fazer Guandu 2 e
que havia nove grandes obras da Cedae em andamento. Segundo ele, a empresa não
pode ser privatizada porque o estado tem R$ 3,5 bilhões para receber do governo
federal.
ESPECIALISTAS DEFENDEM REGULAÇÃO
A crise financeira também afeta a Cedae. No ano passado,
a companhia teve um lucro líquido de R$ 248,8 milhões, 45,9% a menos que os R$
460 milhões registrados em 2014. ?O panorama econômico do Brasil não é
favorável, e devemos esperar que o quadro recessivo perdure em 2016?, diz o
Relatório de Administração e Demonstração de Atividades Financeiras 2015, da
Cedae.
Para especialistas em saneamento e hidrologia, a
concessão pode ser benéfica para os usuários dos serviços de esgoto e água, mas
é essencial que o estado seja eficiente em regular as concessionárias
privadas.
Para Paulo Carneiro, pesquisador do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ,
a sociedade deve ter o poder de, junto com as agências governamentais, regular o
serviço prestado pelas concessionárias. Ele também ressalta que a Cedae ?não tem
demonstrado capacidade de fazer os investimentos necessários?:
? Algumas concessões já estão em curso. A Cedae não tem
demonstrado capacidade de fazer os investimentos necessários. As razões, eu não
sei. Eles estão anunciando investimentos para ampliar a Estação de Tratamento do
Guandu. Mas o fato é que estamos há décadas sem conseguir aumentar o percentual
de esgoto tratado. É preciso avançar nisso e universalizar esse sistema. Isso
tem que ser feito com regulação. A gente tem que ter um órgão regulador forte e
transparente.
Já para Alceu Galvão, pesquisador do Instituto Trata Brasil, a necessidade de
regulação está entre as premissas fundamentais para a concessão, mas que este
trabalho ainda é muito incipiente no Estado do Rio. Ele também disse que o
desempenho da Cedae não é satisfatório:
? A Cedae é tida como uma das empresas menos
transparentes do Brasil. Você abre a possibilidade de mostrar que há chances de
ter mais resultados e avançar na universalização dos serviços. Quando você olha
para Niterói e São Gonçalo, que são vizinhos, vê o serviço entregue à iniciativa
privada em Niterói universalizado e o outro, em São Gonçalo, com problemas e
obras que não foram terminadas ? declarou.
Divulgado em março, um levantamento feito pela ONG Trata
Brasil sobre serviços de saneamento nas cem maiores cidades brasileiras mostra
que o Rio ? onde a atividade cabe, principalmente, à Cedae ? aparece na 50ª
posição. Entre as capitais, ficou em 11º lugar. Dentro do próprio estado, a
capital fica na quinta colocação, atrás de Niterói, Petrópolis, Campos e Volta
Redonda, onde grupos privados cuidam da água e do esgoto. Nas áreas atendidas
pela Cedae no estado, apenas 40% do esgoto são tratados.