SÃO PAULO – O ex-senador Delcídio do Amaral disse em entrevista para o Roda Viva, da TV Cultura, que não pode colocar a mão no fogo pelo presidente interino Michel Temer (PMDB-SP). Cassado na última terça-feira, 10, o ex-líder do governo no Senado afirmou ainda que a presidente afastada Dilma Rousseff mentiu sobre a Petrobras e chorou ao falar de desabafo da filha nas redes sociais.
No programa que foi ao ar na noite desta segunda-feira, Delcídio foi questionado por jornalistas sobre participação de Temer na Lava-Jato. Em seu acordo de colaboração com a Justiça, o ex-senador afirma que o presidente teve participação direta na nomeação de executivos da Petrobras condenados na Operação.
? Quando disse que ele tinha indicado Zelada (Jorge Zelada, ex-diretor da área Internacional da Petrobras de 2008 a 2012, por indicação do PMDB), senti preocupação enorme numa resposta rápida dele (Temer). Quando se indica alguém, não quer dizer que se indica para roubar. Prefiro acreditar que ele tenha endossado a indicação da bancada. Não posso colocar a mão no fogo até porque não conheço as relações dele ? justificou.
Delcídio também foi perguntado sobre a veracidade da denúncia do engenheiro José Antunes Sobrinho, um dos donos da Engevix, contra Temer. Em seu acordo de delação premiada, Sobrinho afirmou ter pago R$ 1 milhão a um emissário do presidente, como forma de agradecimento por participar de uma licitação de R$ 162 milhões da Eletronuclear para operar na usina de Angra 3:
? Tomei conhecimento desse trecho da delação. Não conheço os fatos. Sei que ele atuou em Angra e conta, aparentemente, uma história que tem começo, meio e fim. Por isso vejo com preocupação o que vem por aí. Até para o atual governo.
Segundo Delcídio, o PMDB ?tem uma posição proeminente? na Lava-Jato.
? E não tenho dúvida de que agora, com a colaboração da Andrade Gutierrez, vai ficar nítido ? prevê.
No início de maio, a Justiça Federal homologou acordo de delação premiada com a Andrade Gutierrez, em que executivos revelam detalhes sobre pagamento de propina ao PT e ao PMDB por meio de doações legais a campanhas eleitorais em 2010, 2012 e 2014, incluindo as duas corridas de Dilma Rousseff à Presidência.
Sobre o governo de Temer, Delcídio disse que o presidente ?tem um grande desafio pela frente?, que precisará ter ?muita coragem para tomar medidas duríssimas? e ainda classifica alguns ministérios de ?muito fraquinhos? como o de Minas e Energia, hoje nas mãos de Fernando Coelho Filho.
? Tem que colocar gente que conheça ? apontou Delcídio.
?A PETROBRAS É DO PRESIDENTE SEMPRE?
O ex-senador também falou sobre o Petrolão. De acordo com Delcídio, o ex-presidente Lula e Dilma sabiam de todo esquema de corrupção na estatal, uma vez que ?todo mundo sabe que, da Petrobras, quem cuida é o presidente da República?:
? Isso é histórico. Portanto dizer que não conhece e não participou das composições é querer desqualificar ou achar que todo mundo aqui é ignorante ou idiota. A Petrobras é do presidente sempre.
Delcídio acusa a presidente de ter mentido sobre sua atuação nas negociações como membro do Conselho de Administração da estatal na compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, em 2006:
? Nas estatais, não há a possibilidade de levar um processo incompleto para o conselho. Ela não assumiu uma responsabilidade que é dela.
No início de maio, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou uma petição com elementos que relacionavam Dilma à compra. A decisão foi tomada a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Para Delcídio, a presidente afastada não retorna mais as suas funções:
? Só esses 55 votos do Senado já demonstram claramente que a tendência é esse placar se alargar. Não há mais condições. Ela vai para a aposentadoria.
Quanto a Lula, o ex-senador acredita que o ex-presidente sai desgastado:
? O cerco se fechou. A situação do presidente Lula é muito difícil, com todos os méritos que ele tem.
?BUMLAI SE ENCANTOU PELA JARARACA?
Delcídio também foi questionado sobre a relação de Lula com o pecuarista José Carlos Bumlai, preso na Lava-Jato. Ele relembrou de como a dupla se conheceu, em 2002, e acusou o amigo do petista de ter se acostumado com o poder.
? O Zé Carlos é uma pessoa já arrumada na vida. De família boa, mas se encantou pela serpente, pela jararaca. Ele começou a ficar empolgado com o poder. E agora estão vendo as operações da Shahim, os R$ 12 milhões, as sondas… Havia uma interação muito forte entre eles e ações muito consistentes, inegáveis. Está ficando muito claro esse cenário. Não adianta negar. Já era. Nessa conversa ninguém entra mais.
Investigação da Lava-Jato apura um empréstimo de R$ 12 milhões feito por Bumlai no banco Schaim em setembro de 2004. O dinheiro seria utilizado para quitar dívidas do PT.
?FURNAS NÃO É SIMPLES DE ENGAVETAR?
O presidente do PSDB Aécio Neves também não escapou das acusações de Delcídio, que disse em delação premiada que o tucano fez parte de esquema de corrupção na estatal Furnas, com ajuda de Dimas Toledo, ex-diretor de engenharia da companhia. Ele acredita que será difícil para o senador escapar das investigações que pesam sobre ele:
? Furnas não é simples de engavetar. Vem arrastando a barriga desde a CPI dos Correiros e voltou à tona de novo. Esse tema já faz parte de outras colaborações, inclusive de empresários contando que estão fazendo doações para empresas que o Dimas comanda. Não está difícil rastrear de onde vem, para onde vai e quem recebe (a propina). As evidências são inapeláveis às questões colocadas no meu depoimento e que vão ser complementadas.
PEDIDO DE DESCULPAS
Delcídio pediu algumas vezes desculpas por seus atos. Disse, porém, não ser igual a muitos que estão no Senado e citou indiretamente o presidente da Casa Renan Calheiros.
? Tenho uma história bonita de realizações. Nunca passei a perna em ninguém. E tem gente com 12, 13 processos que está lá. Tem senador condenado e não saiu do Senado. Aí fica difícil ? apontou ele.
Os ex-senador ainda chorou ao ser lembrado de uma carta aberta publicada pela filha Maria Eduarda Amaral, de 21 anos, nas redes sociais. Após sua cassação, ela disse, entre outras coisas que desde 2014 a família vinha ?sofrendo com alguns obstáculos e dificuldades?.
? Me sinto responsável. (A carta) É um retrato do que nós vivenciamos. Não abdico. A responsabilidade foi minha. Ela tem toda razão ? desabafou, com a voz embargada.