
A resposta é: sofremos uma preguiça induzida. Nos distanciamos da familiaridade que temos com a função poética da linguagem. Da habilidade de encontrar na arte tudo que precisamos saber sobre tudo. Nos distanciamos de Lou Reed.
?Transformer? é bem escrito, correto, e traduzido e editado com esmero exemplar. É muito parecido com uma monografia. Ou com a transcrição da narração de um documentário sobre geologia. Os personagens (loucos, psicopatas, contraditórios, doces, gênios e marginais como o biografado) não suam, não choram; quando se cansam, o leitor não sente o cansaço; quando um apartamento barato no baixo Manhattan fede a mijo e restos de metanfetamina, o leitor não sente cheiro de nada. A promessa é de uma viagem ao coração sujo de um dos maiores poetas do século XX. Mas o livro, sendo apenas uma romantizada compilação de entrevistas, nos leva a superfícies seguras. Há informação, não abismos.
Há mais páginas sobre o disco ?Lulu? (parceria com o Metallica) do que o longo casamento de Lou com a travesti Rachel, belíssima descendente de índios que organizou a carreira do artista durante a barra pesada da Nova York punk dos anos 1970. O autor não entendeu que ter sido um astro mundial casado com uma travesti foi dos maiores legados de Lou Reed para a Humanidade.
Quando estive com Lou Reed em São Paulo, em 2010, levei dez cópias em LP do disco de estreia do Velvet Underground para ele autografar. Ele comentou, mal-humorado: ?Você é bem esperto e oportunista, hein?? Guardo os LPs para filhos e netos, pensando no que ele diria se pusesse as mãos numa cópia desta biografia.
?Transformer: A história completa de Lou Reed?
Autor: Victor Bockris.
Tradução: Bruno Federowski e Marcia Men.
Editora: Aleph.
Páginas: 512.
Preço: R$ 79,90.
Cotação: Ruim.