RIO ? Papel de parede, cortina e tapete persa em tons de mude e floridos. Luminária de estilo provençal. Janelas e portas verdes. Os ícones configuram o descontraído apartamento de Francesca, personagem de Marisa Orth na próxima novela das 19h, da TV Globo, ?Haja coração?, uma releitura de ?Sassaricando?, exibida em 1987. Tancinha é Mariana Ximenes, uma de suas filhas, que vive numa casa de mesmos estilo e parâmetro. As portas também são verdes, samambaias caem do teto, verduras e legumes lotam um cesto de palha e o ladrilho hidráulico do piso descombina com o da parede. Mãe e filha representam o núcleo, digamos, modesto da trama, fatiada entre o mundo dos ricos e o dos pobres.
? Por não estar ligado ao que é fashion e moderno, o núcleo pobre talvez tenha uma liberdade maior de criação. Mas o rico você trabalha com toques de de sofisticação e design que são bem gostosos ? contrapõe o cenógrafo Claudio Duque, que assina o projeto ao lado de Juliana Carneiro.
Descendente de família italiana, Francesca é feirante. Sua casa, na ficção, na Zona Leste de São Paulo, lembras as do subúrbio carioca de outrora. Fica numa vila, moradores levam cadeiras de praia para a rua, vizinhos cuidam do cachorro e todos deixam as portas abertas. É onde mora também Adônis (José Loreto), numa casa com quarto ?enfeitado? com calotas de carro.
? É um subúrbio romântico. São casinhas de vila, todas têm varandas e jardins. A arquitetura é eclética, bem variável ? observa Duque.
O interior é ditado pelo clima relaxado do lado de fora.
? Ela é de uma família de baixa renda, que não muda o mobiliário todo ano. Os móveis são dos anos 1950 e 1960, é uma mistura de várias coisas que acumulou a vida inteira.
Duque define como vintage o lar de Francesca.
? Hoje a gente diz que é vintage, que é tendência. Mas é engraçado, porque o estilo é conceituado em cima de sua vivência. Tem uma mesa mineira na sala com cadeiras diferentes umas das outras ? observa o cenógrafo.
Um exercício que Claudio Duque considera ?muito bom? foi o de reaproveitar como móveis e materiais de construção de outras cidades cenográficas do Projac.
? Nós nos sentimos bem por não estar gastando e por usar uma peça que ainda pode ser útil. Coisas que movimentamos muito em cena são difíceis de reutilizar, pois ficam deterioradas, como lustres e arandelas ? exemplifica o cenógrafo, que comprou mais luminárias nos antiquários da Rua do Lavradio, no Centro.
Do outro lado do balcão, a poderosa família Abdala é ostentação pura. A origem libanesa inspirou a decoração da mansão onde Teodora (Grace Gianoukas), Aparício Varela (Alexandre Borges) e Fedora (Tatá Werneck) vivem, carregada em peças na cor dourada.
? No interior, temos uma marcação muito forte do quatrocentão libanês, da mistura de dourado com vermelho bem característica dele ? define a cenógrafa Juliana Carneiro, encarregada dos ambientes luxuosos.
O apartamento dos irmãos Beto (João Baldasserini) e Tamara (Cleo Pires) reflete o estilo de vida burguês paulistano. Cozinha americana, obras de arte da mineira Thalma de Oliveira e uma porta de grande dimensão dão o tom.
? Eles não têm cara de que vão para a cozinha, o espaço é decorativo. Coloquei um painel que não é nem prata nem dourado, que representa a fusão das culturas francesa e libanesa ? propõe Juliana.
Autor do ensaio que ilustra a reportagem, o fotógrafo Sergio Zalis posicionou o elenco em segundo plano.
? Os atores estão ao fundo para se integrarem, junto com o figurino, à cenografia. Assim, os olhos são conduzidos a todos os cantos da casa com calma, de forma que cada um, a seu ritmo, pode mergulhar no universo dos personagens. Fiz fotos claras e ?inartísticas? para serem lidas, cheias de informações, cores e referências, quase enciclopédicas ? explica Zalis.