RIO ? O título original é ?Remember? (?Lembre-se?) e foi lançado ano passado, marco do centenário do genocídio armênio pelo então Império Otomano (hoje Turquia), episódio ainda pouco explorado pelo cinema mundial. Mas a trama de ?Memórias secretas?, o novo filme de Atom Egoyan, canadense de origem armênia, que estreou nesta quinta-feira no Brasil, é um thriller envolvendo sobreviventes do Holocausto nazista, nonagenários em busca de vingança contra seus algozes. Essa é a última história que podemos contar sobre o Holocausto com sobreviventes e perpetradores do genocídio ainda vivos. Daqui a uns cinco anos, quando todos estiverem mortos, ‘Memórias secretas’ se tornará um filme de época
Autor de ?Ararat? (2002), um dos primeiros longas-metragens a discutir abertamente tema tão delicado para armênios e turcos, Egoyan reconhece a ?ressonância? que uma das maiores tragédias do século XX pode trazer sobre a outra.
? Estamos perdendo a memória da História. Temos estado tão sobrecarregados de narrativas de violência que tendemos a esquecer como é a mecânica dela ? explicou o diretor de 55 anos em entrevista ao GLOBO, durante o Festival de Marrakech, em dezembro, onde ?Memórias secretas? foi exibido dentro de uma homenagem ao cinema canadense. ? É muito fácil abstrair parte de nossa sociedade, uma raça, um povo, e vitimizá-los. Daí que criamos essas atrocidades, tanto no caso do genocídio judeu quanto no do armênio. Acho que, quando encontramos um modo diferente de abordá-las, estamos fazendo um alerta sobre esse tipo de tragédia.
A trama de ?Memórias secretas? se origina em um pacto entre Zev (Christopher Plummer) e Max (Martin Landau), dois ex-prisioneiros de Auschwitz, hoje moradores de um asilo de Nova York. Eles dedicam os últimos dias de vida a realizar uma vingança: localizar e eliminar o comandante nazista que torturou e matou a família de ambos, durante a Segunda Guerra, e que vive em alguma parte dos EUA, sob nova identidade. Preso a uma cadeira de rodas e a um balão de oxigênio, Max transforma Zev, que sofre de demência, em executor de seu plano, detalhadamente descrito em cartas, e cujas instruções ele deverá conferir de tempos em tempos e seguir à risca.
? Essa é a última história que podemos contar sobre o Holocausto com sobreviventes e perpetradores do genocídio ainda vivos. Daqui a uns cinco anos, quando todos estiverem mortos, ?Memórias secretas? se tornará um filme de época ? analisa Egoyan, que se inspirou no roteiro do estreante Benjamin August. ? É contada sem recursos de flashbacks. Então, não há momentos de reconstrução, a não ser na memória dos personagens. A trama sobre o Holocausto é incomum, por ser contada no nosso tempo, com efeitos residuais no presente.
‘CANSAÇO TEMÁTICO’ NÃO INTIMIDA
Para o diretor, faz-se filmes sobre genocídios ? de judeus, de armênios, de tribos africanas ? para não esquecê-los. O extermínio de milhões de judeus na Alemanha nazista continua sendo o mais explorado porque envolveu um sistema muito bem planejado de perseguição e eliminação de seres humanos:
? Sempre nos sentiremos fascinados pela máquina nazista de matar, porque ela teve origem em um dos mais avançados estados europeus. Mais incrível é que os perpetradores daquele genocídio tenham confessado o crime tão imediatamente depois de descoberto. Eu, como armênio, fico espantado com isso, porque levou décadas para que os turcos admitissem alguma responsabilidade no massacre de cerca de um milhão de armênios, no início do século passado.
A quantidade de filmes sobre o tema do genocídio, no entender de Egoyan, não deveria intimidar os realizadores:
? Não há dúvidas disso quando entendemos que o Holocausto foi um crime, e foi punido como tal. Então, isso inspira outras perspectivas sobre a tragédia. Não devemos deixar de falar no genocídio porque há um cansaço temático. Veja o caso de ?O filho de Saul? (vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano). É um filme com um personagem nunca visto antes, joga fora tudo o que já foi feito sobre o tema. Nunca imaginei que um dia estaria cara a cara com um protagonista daquela tragédia por duas horas seguidas.
* O repórter está hospedado a convite do Festival de Cannes