Cotidiano

Artigo de Ricardo Rangel: O caixa 2, a corrupção e a bateção de cabeça

Volta e
meia algum político, como Fernando Henrique, recentemente, afirma que é preciso
diferenciar o caixa 2 que vai para a campanha, que é legítimo, do caixa 2 que
vai para o bolso, que é corrupção. Esse raciocínio, naturalmente, está errado.

Para onde
vai o dinheiro ? para a campanha ou para bolso ? ou mesmo como ele vem ? caixa
1 ou 2 ? não é a questão mais importante. O mais importante é saber se é
corrupção ou não. Se vai para o bolso, só pode ser corrupção; se vai para a
campanha… pode ser. O caixa 1 tem um ar respeitável, mas, frequentemente, é
apenas um disfarce, como o Supremo acaba de deixar claro, ao aceitar a denúncia
contra Valdir Raupp.

O caixa 2
cheira mal, sugere que o dinheiro tem origem criminosa (contrabando, tráfico de
drogas) ou é frio, ligado a sonegação de impostos. Ou que o candidato pretende
usá-lo de maneira ilícita, para comprar votos, por exemplo.

Mas pode
haver motivações legítimas. Marcelo Odebrecht explicou uma: se pagasse por
dentro, chamaria a atenção de outros partidos, que viriam achacá-lo. Eis outra:
você é um empresário maranhense, e quer fazer uma contribuição a um candidato
que faz oposição aos Sarney. Você gostaria que a família Sarney soubesse que
você está ajudando a oposição?

Do ponto
de vista do interesse público, o caixa 2 é sempre ruim: ainda que a motivação
seja legítima, e a aplicação seja legítima, o método oculta o vínculo entre o
candidato e quem o apoia, e é de interesse da democracia que esse vínculo
esteja claro.

Mas, com
todos esses problemas, caixa 2 não é, necessariamente, corrupção. Corrupção é
um negócio: alguém recebe um pagamento e, em troca, presta um serviço: se não
houver a contrapartida do serviço, não há corrupção.

O caixa 2
é irregular e indesejável, deveria ser crime, mas não é, e sempre foi visto
como um fato da vida, não só pelos políticos, mas por toda a sociedade. Todos
os políticos brasileiros ? todos, mesmo os mais respeitáveis, de outros tempos
? já receberam caixa 2. (A criminalização do caixa 2 foi um dos poucos itens a
sobreviver no projeto das 10 medidas sugeridas pelo MP, cuja aprovação foi
revogada pelo ministro Luiz Fux, porque junto com ela foi aprovada a? anistia
ao caixa 2.)

Apesar de
não ser crime, o caixa 2 pode ser tratado como falsidade ideológica, que é
crime. Tratar todo e qualquer caixa 2 como crime, no entanto, é uma ideia
temerária: é injusto, pois misturaria políticos decentes
e corruptos no mesmo balaio, e virtualmente destruiria a classe política. Por
piores que sejam nossos políticos, sua eliminação criaria um vácuo de poder e
abriria um caminho perigoso para o populismo e o autoritarismo.

Não é
simples sair dessa esparrela. A anistia ao caixa 2 é impensável, não só pela
imoralidade, mas porque beneficiaria uma porção de criminosos. Uma proposta que
faz sentido é a autodenúncia, isto é, quem recebeu caixa 2 declara que recebeu
e paga uma multa. O problema é que quem declarar fica inelegível, os outros vão
presos, e a classe política desaparece da mesma maneira.

Daí a
bateção de cabeça.

* Ricardo
Rangel é produtor de cinema e TV