RIO – Um trabalho de Tunga (1952-2016) da série ?Desenhos em polvorosa? (1996) com
corpos nus, entrelaçados uns nos outros, inspirou o nome da mostra que será
inaugurada hoje, às 15h, no Museu de Arte Moderna do Rio: ?Em polvorosa ? Um
panorama das coleções do MAM Rio de Janeiro?. Não se trata apenas de uma
homenagem ao artista morto em junho. Os curadores Fernando Cocchiarale e
Fernanda Lopes vislumbraram no contágio de corpos criado por Tunga uma tradução
visual da contaminação que acontece entre as obras das três coleções que compõem
o acervo do museu ao serem exibidas lado a lado.
São mais de 16 mil itens, se somadas as três coleções: a do MAM, com 7.606; a
de Gilberto Chateaubriand, com 6.630; e a de Joaquim Paiva, só de fotografias,
com mais de 1.900. De tudo isso, os curadores selecionaram por volta de 300, de
cerca de cem artistas. Ao lado de destaques internacionais ? entre eles, uma
escultura de Alberto Giacometti, uma pequena e rara pintura de Jackson Pollock,
um trabalho de Keith Haring produzido no Rio em 1984 e uma cabeça de Rodin ?,
foram remontadas instalações que há muito não eram vistas.
DIVERTIMENTO
Uma delas é ?Marulho?, de Cildo
Meireles, criada em 1991 para a Bienal de Johannesburgo e adquirida pelo museu
em 2001. A obra, um deque de madeira sobre uma superfície marinha formada por 5
mil impressões fotográficas de diferentes matizes de azul, foi exibida no museu
uma única vez, em 2002. Também há outras instalações emblemáticas da arte
contemporânea, como ?Ping-ping, a construção do abismo no piscar dos cegos?
(1980), de Waltercio Caldas, ?Fantasma? (1994), de Antonio Manuel, e
?Poeta/Pornógrafo? (1973), de Antonio Dias.
? Quisemos pôr a arte brasileira
numa conversa com a arte estrangeira, criando associações entre elas. Aqui tem
uma série de licenças, misturas. Isso é montado para o prazer do olho, não é uma
aula de história da arte ? diz Cocchiarale.
É uma semântica que dispensa discursos, em que o visitante é livre para se
divertir, como assumem ter feito os próprios curadores. Mergulhados no acervo
por três meses, eles estabeleceram conexões visuais entre as obras, como o
conjunto que une algumas com referências a grades, ou outro que retrata o
próprio museu.
Uma obra modernista de Brancusi em
bronze (?Mlle Pogany II?, 1952), por exemplo, está ao lado de uma fotografia do
nigeriano J.D. Okhai Ojeikere, sem título, pela aproximação dos relevos da
cabeça. ?Komposition N. 168? (1948), tela do alemão Friedrich
Vordemberge-Gildewart (1899-1962), citado no Manifesto Neoconcreto, é seguida de
duas pinturas do concretista brasileiro Wyllis de Castro (1926-1988), ?Planos
interpostos? e ?Campos interpostos?, ambas de 1959.
Ao lado de preciosidades do acervo ? como ?Alegria? (1999), um spotlight de
Adriana Varejão, a instalação ?Motim II? (1998), de José Damasceno, um aparelho
cinecromático de Abraham Palatnik, dos anos 1950, ou uma pequena colagem sobre
papel de Calder, de 1959 ? chama a atenção a decisão dos curadores de remover os
painéis que há muito compunham sua arquitetura, dividindo o segundo andar do
museu em espaços compartimentados. Com isso, o salão monumental alongou-se em
toda a extensão da fachada, de 130 metros. São mais de 2.500 m² recheados com a
nata das coleções. Como um retrato de D. Pedro II em seu leito de morte, de
1891, de Félix Nadar (1820-1910).
CANIBALISMO E DENTES
Um dos longos corredores criados pela retirada dos painéis começa com a
abstração informal (?N. 16?, um Pollock de 1950, está aí), passa pela geométrica
? como ?Forma em evolução?, 1952, de Ivan Serpa (1923-1973) ?, e vai acabar na
Nova Figuração, a linguagem pop onde se destacam trabalhos de, entre outros,
Antonio Dias, Rubens Gerchman e Ana Maria Maiolino (dela, ?Glu, glu, glu?, de
1966).
? Aqui, por um acaso, foi a sucessão histórica mesmo. Mas no segmento do
modernismo, vamos ter a Geração 80 no final ? diz Cocchiarale, exemplificando a
livre associação que norteia a mostra. ? Nosso principal objetivo foi desvelar a
potência da combinação dessas peças. Ao mesmo tempo, quisemos dar destaque a
obras pouco conhecidas do acervo, como desenhos a carvão de Anita Malfatti.
Outro segmento reúne referências a
índios. Há um painel com oito grandes fotos de Carlos Vergara da série ?Cacique
de Ramos?, duas imagens de Claudia Andujar dos ianomâmis. Ali, os trabalhos
sobre canibalismo de Luiz Pizarro, como ?Work me over, sir? (1997), em parafina,
estão ao lado de uma obra em cera e dentes de Angelo Venosa.
Há ainda uma sucessão de autorretratos, de Luiz Zerbini a Flavio Shiró.
Pontuando tudo, vitrines com fotografias documentais, que funcionam como o texto
da mostra, ao proporcionar um contexto histórico de cada segmento.
?Em polvorosa ? Um panorama das coleções do MAM?
Onde: Museu de Arte Moderna do Rio ? Avenida Infante Dom Henrique 85, Parque do Flamengo (3883-5600).
Quando: Abertura hoje, às 15h. Ter. a sex., das 12h às 18h; sáb., dom. e fer., das 11h às 18h.
Quanto: R$ 14.
Classificação: Livre.