Cotidiano

?Se sentia um ninguém?, diz prima de jovem morto após confusão em rede de lanchonete em SP

SÃO PAULO – Era fazendo malabarismos no sinal que João Victor Souza de Carvalho, morto aos 13 anos após confusão envolvendo funcionários da rede Habib?s, em São Paulo, driblava a fome. Filho de faxineira e catador, separados, ele dizia que queria tirar os pais do aluguel e ser alguém na vida. ?Se sentia um ninguém?, relata a prima Aline Cardoso, de 25 anos, ao GLOBO. Enquanto a família clama por justiça, mais testemunhas confirmam na polícia agressão dos profissionais ao adolescente. Uma catadora disse ter sido ameaçada. Polícia segue investigando o caso.

Por causa do vício num entorpecente conhecido como lança-perfume, o único filho homem em meio a três irmãs não estava estudando, mas se tratando para voltar à escola. Ele não completou o ensino Fundamental. Nas horas vagas, acompanhava o pai durante coleta de materiais pelas ruas. Era com ele que o menino vivia, no bairro de Cachoeirinha. Completava a renda entretendo motoristas no sinal e se alimentava com o que os clientes do Habib?s, na unidade Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte, deixavam.

? Ninguém gostava quando ele pedia dinheiro, mas ele falava que ia trabalhar para ser uma pessoa importante. Dizia que todo mundo era importante, menos ele. Se sentia um ninguém ? lembra Aline, com voz arranhada, para frisar em seguida:

? Mas nunca se envolveu com roubo. Pode ir lá na loja perguntar para qualquer um. Destruíram o sonho de uma criança que tinha a vida inteira pela frente.

Os pais só repetem que querem justiça. Marcelo Fernandes de Carvalho, de 42 anos, não consegue sair mais para trabalhar, relata Aline. A mãe, Fernanda de Souza, de 34 anos e faxineira numa garagem de ônibus, só recebeu três dias de folga da empresa e retornou ao serviço nesta segunda-feira:

? Eles estão inconsoláveis. Só falam que querem os dois atrás das grades. Nem estão preocupados com uma possível indenização. Só querem justiça.

NOVA TESTEMUNHA

A defesa da família de João Victor confirmou ao GLOBO que um motorista de ônibus presenciou os profissionais agredindo a vítima. Ele prestou depoimento nesta segunda-feira, no 28º Distrito Policial (DP), na Freguesia do Ó. De acordo com Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente do Condepe, que acompanha o caso, outra testemunha, a catadora Silvia Helena Croti, disse ter recebido ameaças de um dos funcionários envolvidos no caso.

? Esse motorista confirma o depoimento da catadora e disse que viu um funcionário do Habib?s dando socos na cabeça do adolescente ? relata Ariel.

O profissional não teve o nome revelado. O ônibus em que ele dirige aparece nas imagens divulgadas nas redes sociais, que mostram dois funcionários do Habib´s arrastando a vítima. No vídeo, não dá para ver que houve agressões, mas percebemos os homens carregando o menino pelos braços e deixando-o na calçada, aparentemente desacordado.

? Pelas imagens, teria ocorrido omissão de socorro, já que eles jogam o menino na calçada e sequer levam até a lanchonete, apesar que terem chamado o socorro. E isso (a ligação pedindo por uma ambulância) só aconteceu por interferência da catadora ? relata Ariel de Castro.

Silvia Helena informou à polícia, também nesta segunda-feira, que sofreu ameaças do gerente do Habib?s. No último dia 1, ela relatou na delegacia que viu o segurança pegando o adolescente pelo pescoço e dando um soco violento contra a cabeça da vítima. Ao GLOBO, a prima de João Victor, Aline Cardoso, contou que o gerente da rede passou por Silvia na rua e este a chamou de ?alcagueta?. Mais tarde, segundo relato de Aline, ?uma pessoa mandou dizer à catadora que se ela voltasse na delegacia sua família morreria?.

? Se teve ameaça é porque eles têm culpa ? aponta Aline.

Ariel de Castro informou que a polícia colheu o depoimento de Silvia para verificar quais medidas de proteção poderão ser aplicadas. Confirmada sua versão, os autores podem responder pelo crime de coação no curso do processo ou inquérito.

? Vamos verificar a possibilidade de incluí-la no programa estadual de proteção de vítimas e testemunhas ? afirmou o advogado.

Por meio de nota, a assessoria de imprensa do Habib?s informou que os funcionários envolvidos no caso, já afastados, ?deverão responder individualmente pelas suas atitudes?. Ela frisa ainda que ?o ocorrido não representa a conduta da empresa em seus 28 anos de história e mais de 18 mil colaboradores diretos?.

?Assim como toda a sociedade, a empresa aguarda o laudo do IML e que após apurações finais tomará medidas cabíveis e emitirá um novo comunicado?, finalizou o Habib?s em sua nota.