Cotidiano

Dentro do prazo e do orçamento

Em 1º de junho, a Suíça inaugurou o duplo túnel ferroviário de São Gotardo, o maior do mundo, com 57 quilômetros, para interligar o norte e o sul da Europa. O tráfego diário de 260 trens de carga e 65 de passageiros substituirá a poluição de caminhões e ônibus nos Alpes. Foram 17 anos de obras, entregues no prazo, e no orçamento inicial de US$ 12,5 bilhões.

Ganha uma bala (não o trem-bala) quem souber de obra entregue no Brasil no prazo e valor previstos. A transposição das águas do São Francisco para o Nordeste, anunciada por Lula em 2006, ficaria pronta em 2010, por R$ 4,6 bilhões. Em 2014, Dilma disse que a entregaria em 2016. Não se sabe se a primeira parte fica pronta em 2017 ou 2018, mas os custos superam R$ 9 bilhões.

Em 2006, na reeleição, Lula anunciou que a Ferrovia Transnordestina ? ligando Eliseu Martins (PI), para escoar a produção de soja e milho do sul do Piauí e Maranhão, aos portos de Pecém (CE) e Suape (PE) ? custaria R$ 4,5 bilhões e seria entregue em 2010. Na reeleição, Dilma remarcou para 2016. Pode ficar para 2017-18, com custos acima de R$ 11 bilhões.

O Brasil não se compara à Suíça, país de moeda forte, segredos bancários e relojoaria de precisão. Mas a diferença não está aí. A engenharia brasileira faz obras complexas, como a Hidrelétrica de Itaipu e a Ponte Rio-Niterói. A leviandade tem vício de origem: as obras são tocadas a partir de projetos básicos, sem detalhar os percalços inerentes aos desafios da engenharia. No Japão, EUA ou Canadá, empresas ou governos só se lançam em grandes empreitadas com projetos executivos que detalham do número de parafusos às horas trabalhadas. Os orçamentos não estouram, e as obras cumprem o prazo.

A refinaria de Abreu e Lima, estimada em US$ 2,5 bilhões, ?numa conta de padeiro?, segundo o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, teve os custos elevados a mais de US$ 12 bilhões. Quando da estimativa, o dólar valia menos de R$ 2; hoje, vale R$ 3,60. Só processa 90 mil dos 230 mil barris/dia de petróleo previstos para 2018. Em 2014, gerou baixa contábil de R$ 9,143 bilhões.

Lançado em 2007, ao custo de US$ 6,5 bilhões, em Itaboraí, o Comperj teria unidade de refino de 165 mil barris e central petroquímica, substituída, após a crise mundial de 2008, numa segunda refinaria (165 mil barris), mas o orçamento esticou a US$ 14,3 bilhões, e a operação foi adiada para 2023. A Petrobras fez baixas contábeis de R$ 27,1 bilhões.

Belo Monte foi orçada em R$ 16 bilhões. Subiu a R$ 19 bilhões no leilão. No financiamento solicitado ao BNDES, o custo já era de R$ 28 bilhões e superou R$ 30 bilhões. Na posse de Maria Silvia Bastos Marques, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, convocou o BNDES a atuar no financiamento às parcerias público-privadas e no estudo de custos e viabilidade. Bingo!

Com projetos executivos feitos por consultorias de engenharia, que absorvem menos que 2% de uma obra, além de cumprir prazos e orçamentos, o país pode fazer mais com menos dinheiro nosso. Guiadas por toscos projetos básicos, as empreiteiras aplicam aditivos que dobram prazos e custos, facilitando o desvio de propinas a políticos. Na Petrobras, o padrão era de 3%.

Gilberto Menezes Côrtes é jornalista