ROMA ? A morte de cerca de 700 imigrantes no Mar Mediterrâneo somente na semana passada evidencia que a complexa crise migratória na Europa está longe de ser solucionada ? apesar das tentativas de coibir a ação de contrabandistas, da intensificação das operações de resgate e de acordos entre os países europeus para a realocação de refugiados. Em apenas sete dias, em torno de 14 mil pessoas foram salvas enquanto tentavam fazer a perigosa travessia da Líbia, no Norte da África, para a Itália.
Os últimos afogamentos ? que empurram o número de mortos no ano para mais de dois mil ? são um lembrança do cruel paradoxo neste período no Mediterrâneo. Enquanto o verão se aproxima e turistas desfrutam de clima quente e águas tranquilas, o tráfico humano na costa do Norte da África tradicionalmente aumenta. Fugindo de guerras, opressão e pobreza, mais refugiados se arriscam em embarcações precárias para o continente europeu, muitas vezes sem saber nadar e desprovidos de coletes salva-vidas.
Desde a última quarta-feira, há relatos de pelo menos três naufrágios na costa líbia, no que seria a semana mais mortal para os refugiados que tentam chegar à Europa por mar em mais de um ano. O balanço de mortos varia, podendo chegar a assombrosos 900, de acordo com a organização Médicos sem Fronteiras (MSF).
? Essa semana foi um massacre ? afirmou Giovanna Di Benedetto, porta-voz na Sicília da ONG Save the Children.
OPERAÇÕES NÃO TÊM MANDATO CLARO
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) estimou 700 óbitos, ressalvando que o número pode ser ainda maior.
? Todas as semanas, todos os meses vemos com muita preocupação esta tragédia que continua, onde pessoas refugiadas que buscam segurança arriscam as vidas desta maneira ? lamentou William Spindler, porta-voz da agência.
Uma das várias organizações que ajudam em resgates no Mediterrâneo, a ONG alemã Sea Watch afirmou que a situação ilustra o fracasso da União Europeia (UE) em garantir a segurança dos imigrantes. A UE estabeleceu uma missão naval anti-contrabando, que ajuda com resgates quando necessário, mas este não é o seu papel oficial.
? Não há nenhuma operação europeia com um mandato de busca e salvamento claro ? criticou Giorgia Linardi, da Sea Watch.
As informações sobre os naufrágios foram surgindo lentamente devido à sua natureza caótica. O Acnur confirmou que cem dos migrantes mortos estariam num barco que naufragou na quarta-feira. Imagens do incidente foram capturadas pelas equipes de resgate, mostrando o exato momento em que a embarcação virou e os refugiados foram lançados no mar.
No dia seguinte, cerca de 550 vítimas teriam afogado, incluindo mulheres e crianças. Um terceiro naufrágio ocorreu na sexta-feira, com 45 corpos recuperados e um número não especificado de desaparecidos. Linardi descreveu cenas chocantes dos trabalhos de resgate:
? Havia muitos cadáveres flutuando no mar. Alguns deles estavam entre a vida e a morte, não reagiam, mas continuavam respirando. Encontramos uma criança de poucos meses. A maioria deles era jovens. Achamos um casal (mortos) abraçando um ao outro ? relatou.
As mortes jogam luz sobre as dificuldades da UE em lidar com a crise migratória. Frente à reação anti-imigrante em muitos países, o bloco assinou um controverso acordo com a Turquia, que até agora tem reduzido o fluxo de migrantes para a Grécia. No entanto, restringindo a entrada grega, as atenções voltaram-se novamente para a rota marítima Líbia-Itália ? de longe a mais perigosa passagem de fronteira para os migrantes em todo o mundo.
O fluxo de imigrantes continua inabalável. Aproximadamente o mesmo número de pessoas ? 46 mil ? entrou na Itália por mar nos primeiros cinco meses de 2016 na comparação com igual período do ano passado.
Num balanço mais amplo, A Organização Internacional para as Migrações (OIM) calcula que o número de chegadas pelo Mediterrâneo neste ano ? incluindo Itália, Grécia, Chipre e Espanha ? já soma quase 200 mil. Em 2015, mais de 3,7 mil imigrantes morreram no mar, um número que poderia ser superado neste ano.
Esta rota, no entanto, não é a única que desperta preocupação das autoridades. Ontem, 19 migrantes que tentavam chegar ao Reino Unido, saindo da França, foram resgatados em um barco inflável no Canal da Mancha.