
Em outubro de 2014, a prefeitura sancionou uma lei que transformou as sete ilhas habitadas da Lagoa da Tijuca em Área de Especial Interesse Social (Aeis). A decisão visava à regularização da situação fundiária do arquipélago, onde, segundo o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio (Iterj), moram cerca de dez mil pessoas, e retificava pontos do decreto do então prefeito Saturnino Braga, que, há mais de 30 anos, proibiu a construção de novas casas ali, para evitar danos ambientais.
Na Ilha da Gigóia, a maior delas, com mais de 130 mil metros quadrados e cerca de quatro mil moradores, a esperança de melhora dos serviços públicos foi, com o passar dos meses, substituída pela preocupação com o crescimento sem planejamento. Desde 2014, pouco se fez em relação ao ordenamento, e a própria Secretaria municipal de Urbanismo admite que ainda não foi elaborada uma legislação específica para tratar da urbanização e da regularização da área, processo que exigiria participação das secretarias de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos, além de outros órgãos ambientais.

Os gestos de Tico, porém, evidenciam o cansaço e o estresse com os quais ele convive há alguns anos. Sempre abordado por moradores que sofrem com falta d?água e outros inconvenientes, ele reclama da chegada incessante de novos moradores à ilha:
? Aqui já está superlotado. Não comporta mais gente.
O aumento da população é refletido na paisagem da Gigóia e facilmente notado nas ruas internas. Em muitos pontos, o silêncio habitual foi substituído por barulho de obra. Os puxadinhos proliferam, e muitas casas se transformam em prédios.
A falta de educação agrava a situação. Apelidada de Beco do Lixo, a Alameda das Mangueiras já é utilizada como depósito irregular há cerca de cinco anos, explica Tico. A quantidade de lixo, porém, aumentou muito este ano, afirma:
? Nós espalhamos placas informativas e distribuímos panfletos para conscientizar a população. Fizemos ações em conjunto com a Comlurb, mas parece que ninguém aprende.

? Enquanto a demanda aumentou, a estrutura do poder público diminuiu ? reclama Scheele.
Moradores farão obra para água
Problema recorrente na Ilha da Gigóia, menos recente do que o lixo, é a falta d?água. Sistematicamente, moradores sofrem com a escassez no abastecimento. Dona de uma pousada na ilha, onde mora, Mônica Selem está preocupada. Com todos os quartos reservados para a Olimpíada, o local não recebe água há mais de 60 dias. No início, ela usava bomba para encher a cisterna, mas diz que isso não é mais suficiente. A solução foi fechar a pousada e se manter à base de água mineral. Ela também improvisou um sistema para captar água da chuva, com canaletas no telhado.

Há alguns meses, ao se ver às voltas com outra falha no abastecimento, Mônica resolveu parar de pagar a conta da Cedae, já que o serviço não era prestado. Um mês depois, recebeu uma notificação avisando que seu nome seria incluído no SPC.
? Para cobrar, eles são rápidos. Gasto R$ 1.200 por mês de luz, por causa da bomba para encher a cisterna. Entrei com processo administrativo dentro da Cedae e também com processo judicial. Eles vão ter que me ressarcir. Agora, minha advogada me aconselhou a continuar pagando a conta d?água, de cerca de R$ 140, para cobrar depois na Justiça ? diz a proprietária da pousada.

? A Cedae disse que levaria água até a entrada da ilha, mas que não tem verba, hoje, para realizar obras aqui dentro. Eles nos cederam o material, e já estou recrutando gente para ajudar no trabalho. Vamos ter que fazer isso voluntariamente; serão necessárias de dez a 20 pessoas.

? Eu não posso ficar mexendo no sistema da Cedae no meio da rua. Liguei de novo, e disseram que mandariam um engenheiro vir aqui. Não concordo com essa coisa de morador arcar com obra pública. A Cedae que faça o trabalho direito ? diz.

Procurada, a Secretaria municipal de Urbanismo informa que já existem na Gigóia 78 processos de embargo por execução de obras sem licença. Já a Comlurb diz que o volume diário de lixo recolhido pulou de quatro para oito toneladas em um ano. A coleta domiciliar é realizada às segundas, às quartas e às sextas-feiras. Nos demais dias, há retirada de lixo público. E a Cedae explica que elaborou o projeto da obra que visa a melhorar o fornecimento de água na ilha, programada para começar na próxima semana. Ela será feita pelos moradores, em esquema de mutirão, e a companhia fiscalizará as intervenções.