RIO ? Muito em breve, cariocas e turistas poderão ir à Lapa para ouvir um bom
samba, beber com os amigos e, acredite, colher frutas e temperos. Na próxima
sexta-feira, o evento Plante Rio vai realizar um mutirão para o cultivo de uma
horta num dos canteiros da Praça Cardeal Câmara, em frente aos Arcos. Serão
cerca de 30 espécies, incluindo bananeiras, pitangueiras e outras frutíferas,
além de ervas e plantas alimentícias não convencionais. A campanha é promovida
para celebrar os 20 anos da ONG Mutirão Agroflorestal, e ajudar a difundir
conceitos da agrofloresta em espaços urbanos, movimento que vem ganhando adeptos
nas grandes cidades, sobretudo entre os jovens.
? As técnicas de agrofloresta são próprias para o
ambiente urbano, porque aproveitam melhor o espaço. Em vez da monocultura,
várias espécies, de diferentes portes, compartilham a mesma terra. Os princípios
podem ser aplicados em pequenos espaços, mesmo que seja na varanda de um
apartamento no 18º andar, com um tomatinho dividindo o vaso com manjericão e
alecrim ? diz Denise Bittencourt Amador, uma das fundadoras da ONG Mutirão
Agroflorestal. ? Nos últimos cinco anos, o movimento cresceu bastante, ganhou
espaço na mídia. Mas estou curiosa para ver como vai ser a incorporação desse
espaço pela população e frequentadores da Lapa.
Os conceitos de agrofloresta foram apresentados ao
grande público na novela ?Velho Chico?, da TV Globo, com o personagem Miguel,
vivido por Gabriel Leone, defendendo o uso de técnicas sintrópicas para
recuperação do solo. Em vez de químicos e pesticidas, a prática agroflorestal
emprega métodos de manejo que incluem o plantio de espécies de portes distintos
em consórcio, além de poda periódica, para deposição de matéria orgânica sobre o
solo. O estudante de Geografia da PUC-Rio Mateus Siniscalchi, de 24 anos, aplica
esses conhecimentos na horta que ajuda a manter num canteiro em frente ao
Planetário da Gávea, ao lado do trânsito tumultuado da Rua Marquês de São
Vicente.
? A horta começou há uns três anos, e o trabalho está
dando certo. Temos muitas espécies. Bananeiras, mamoeiros, pés de amora… Vejo
as pessoas parando para colher temperos, pegar uma fruta. Essa é a proposta, a
horta é nossa ? diz Siniscalchi, membro do coletivo Horta Nossa, que mantém o
canteiro na Gávea e outras duas hortas públicas, na Cidade das Artes, na Barra
da Tijuca, e na comunidade Júlio Otoni, em Santa Teresa. ? Usamos técnicas
básicas da agrofloresta, mantendo o solo coberto por matéria orgânica e
plantando espécies em consórcio. A terra, que era estéril, já dá sinais de
recuperação: uma jabuticabeira, que no passado ficava carregada, voltou a dar
frutos nesse ano.
Assim como Siniscalchi, outros grupos estão promovendo a
agrofloresta na cidade. No mutirão da Lapa, cerca de 20 organizações e coletivos
vão colocar, literalmente, as mãos na terra. Alice Worcman, de 24 anos, acredita
que o movimento, dos mais engajados àqueles que plantam temperos num vasinho na
janela, é explicado, em parte, pela percepção dos limites da exploração do
planeta.
? É o inconsciente coletivo, a Terra está chamando. Nossa geração está
pagando a dívida que nossos antepassados deixaram ? diz Alice, cofundadora do
coletivo Organicidade, que promove educação ambiental e presta consultoria sobre
cultivo urbano.
O geógrafo Fernando São Thiago, de 28 anos, é outro
jovem que resolveu se dedicar à agricultura ainda na faculdade, após participar
de um curso promovido pelo suíço Ernst Götsch, que trouxe o conceito de
agrofloresta para o Brasil na década de 1970. Ao se formar, São Thiago fundou
com amigos a Carpe Projetos Socioambientais, que oferece cursos e realiza
projetos para terceiros. Ele vê uma mudança na relação da população urbana com
as plantas. Antes, as pessoas se interessavam por jardins. Agora, começam a
procurar por hortas.
? Nada contra a samambaia, mas as pessoas estão se
interessando pelo que podem comer ? afirma São Thiago, que vai participar do
mutirão. ? É o que estamos fazendo na Lapa. O canteiro precisa ficar bonito, mas
também útil, criando conexão diferente com a terra. Não é ser contra palmeira
imperial, mas a gente quer colher banana e abóbora.
FRUTAS NO TETO DA BIBLIOTECA PARQUE
Além da participação no mutirão da Lapa, o coletivo
pretende criar outra horta em espaço público, no telhado da Biblioteca Parque,
no Centro. O projeto técnico foi aprovado, mas aguarda trâmites burocráticos. O
prédio na Avenida Presidente Vargas já possui um teto verde, mas não produz
alimentos. Para bancar a obra, o grupo criou uma campanha de financiamento
coletivo que inclui recompensas, como participação em oficinas e projeto de
horta caseira.
O movimento agrega jovens com formações diversas, como o designer Diego
Costa, de 30 anos. Ele se aproximou dos conceitos de agrofloresta quando
trabalhava na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
desenvolvendo embalagens para programas de agricultura familiar. No ano passado,
ele deixou o emprego para montar a Cariru Agricultura Urbana, misto de ONG com
start-up que apoia projetos sociais e desenvolve produtos para o cultivo, como
vasos especiais.
? Designer não projeta só mesa e cadeira ? pontua Costa.
Apesar da grande participação de jovens, Denise Bittencourt, do Mutirão
Agroflorestal, ressalta que o movimento agrega várias gerações. Mas a noção de
agrofloresta, diz ela, é mesmo jovem no sentido de ser uma solução visionária
para transformar o planeta. E as atuais crises ambientais podem ter fortalecido
a difusão dessas ideias.
? A juventude é, sim, um motor, mas o movimento não se encerra na juventude ?
diz Denise. ? O próprio Ernst, aos 69 anos, tem o espírito e a disposição de um
garoto.