RIO ? Após interpretar um político e vilão, Carlos Eduardo, na novela ?Velho Chico?, Marcelo Serrado tem levado adiante seu interesse ? pessoal e artístico ? pelos meandros do poder e da vilania, ou pela linha tênue que pode ou não distinguir heróis de anti-heróis. Nesta sexta-feira à noite, o ator dá mais um passo nessa direção, com a estreia do solo ?Os vilões de Shakespeare?, no Parque das Ruínas. Escrito pelo inglês Steven Berkoff e traduzido por Geraldo Carneiro, o monólogo investiga situações, comportamentos e traços de personalidade que modelam alguns dos mais importantes algozes shakespearianos. Em paralelo à temporada, que segue até fevereiro, Serrado irá se dividir entre outras tramas em que terá de encarnar tipos, no mínimo, controversos. Daqui a duas semanas, ele inicia sua participação nas filmagens de ?Polícia Federal ? A lei é para todos?, de Marcelo Antunez. No longa, seu papel é o do juiz Sérgio Moro, responsável por conduzir os processos da Operação Lava-Jato. Em novembro passado, o ator esteve em Curitiba para um encontro pessoal com o juiz, como parte de sua preparação para o trabalho. À época, declarou que interpretá-lo era ?como se sentir na pele de um herói nacional?. Meses antes, seu apreço pelo juiz havia gerado debates públicos e na web, após o ator participar de um ato (?Moro Bloco?) em defesa das ações de Moro. Agora, Serrado o observa como ?um cara reservado, que fala pouco? e, prestes a recriá-lo, mostra-se mais cauteloso: não o define como herói ou vilão, mas como um ?grande personagem?.
? Falar dessa questão se tornou uma coisa um pouco delicada no meio desse Fla x Flu que estamos vivendo. Cada um pensa de um modo diferente em relação a ele ? diz. ? Tem gente que concorda e admira suas ações, e tem gente que não, que desaprova. O que sei, a partir do encontro que tive com ele, é que ele não se sente um herói.
Pessoalmente, Serrado acredita que Moro ?está fazendo o trabalho dele?.
? Há muita coisa se desenrolando nesse exato momento ? diz. ? Se ele é herói ou vilão acho que só o futuro vai poder dizer.
Celebrado por uns e detratado por outros, Moro e sua influência nas esferas do poder e da Justiça, e o impacto das suas ações nos rumos da política e da economia do país, o colocam, sem dúvida, na condição de um personagem quase shakespeariano, um tipo complexo que desperta impressões radicalmente opostas e caminha, literalmente, no fio da navalha:
? É muito bom poder fazer um personagem que habita justamente essa linha tênue.
Para completar sua imersão na vilania, em abril Serrado começa a gravar a próxima novela das sete, ?Pega ladrão?, escrita por Cláudia Souto e dirigida por Luiz Henrique Rios. Nela, vai interpretar Malagueta, um vilão gauche, bem-humorado, como pede a trama das sete.
? Ele é o cara que planeja um grande assalto, o roubo a um hotel ? conta. ? Mas esse é engraçado, divertido, um pouco fora do arquétipo do vilão terrível.
Como são, por exemplo, alguns dos personagens que ele interpreta na peça, como o vilão dos vilões, Iago ? o sorrateiro oficial de ?Otelo, o Mouro de Veneza?? ?, ou então sanguinários, como Ricardo III e Macbeth. Também surgem no solo personas emblemáticas como Shylock (?O mercador de Veneza?) e Coriolano, assim como Oberon (?Sonhos de uma noite de verão?) e Hamlet, o que leva o público a questionar e refletir sobre até que ponto um vilão é, realmente, um vilão.
? Há vilões mais distinguíveis, imediatos. Outros se revelam de repente, ou se transformam gradativamente em vilões. Na peça, há o caso de Hamlet, por exemplo, que começa como um intelectual e se torna um assassino em série ? diz ele. ? Acho interessante é que o vilão nunca sabe que é vilão. Os políticos que roubam e fazem esses desastres, por exemplo, não têm consciência. Para eles, está tudo certo. Mas na peça, em vez de condenar a maldade, o que a gente faz é compartilhar uma jornada psicológica, a partir de Shakespeare.
Em cena, Serrado também se move num terreno ambíguo, entre a ficção e a realidade, entre a representação teatral e a condução de uma palestra. Na peça, ele se apresenta como um pesquisador e, diante do público, se dispõe a analisar os pormenores dos anti-heróis criados pelo bardo. Porém, a medida do seu fascínio pelos personagens é tão grande que o leva à desmedida. De repente, o palestrante perde a compostura, o conferencista se torna ator e a palestra dá lugar à interpretação de cenas.
? A paixão dele pelo teatro transborda a ponto de ele começar a atuar. E é nesse caminho, através dos vilões, que identificamos arquétipos: o dissimulado, o tirano, o vingativo… ? diz ele, que teve acesso ao texto a partir de uma sugestão de José Wilker.
Para o diretor Sergio Módena, a partir de tais personagens a peça se transforma ?numa reflexão sobre os dias atuais, a partir da vilania, das disputas por poder, da ambição?. O atemporal na obra de Shakespeare ? o elo entre personagens de ontem e de hoje ? também desperta o olhar do tradutor Geraldo Carneiro, que, também sendo um poeta, reconhece o que aproxima e o que distingue os demônios shakespearianos dos espíritos maquiavélicos do nosso tempo.
? É fácil reconhecer seus sucessores no mundo atual e perceber que já deveríamos ter aprendido a neutralizar sua astúcia e sua perversidade ? diz. ? Mas os vilões de agora, embora tão canalhas como os de Shakespeare, felizmente não falam mais em poesia. Falam uma prosa de terceira classe. Convencem menos.
Serviço ? ?Os vilões de Shakespeare?
Onde: Parque das Ruínas ? Rua Murtinho Nobre, 169 (2215-0621).
Quando: Estreia hoje. Sex. e sáb., às 20h; dom., às 19h. Até 12/2.
Quanto: R$ 40.
Classificação: 12 anos.