
Brasília - A conta chegou para o campo. Após meses de alertas sobre o risco de cortes orçamentários, o contingenciamento de recursos federais destinados ao Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural obrigou produtores rurais a arcarem integralmente com o valor do seguro contratado para a safra 2025. A medida, que se tornou inevitável após a contenção de gastos do governo, já provoca forte reação entre representantes do setor e amplia a apreensão quanto à proteção das lavouras diante das instabilidades climáticas e econômicas.

De acordo com o diretor-técnico da APEPA (Associação Paranaense das Empresas de Planejamento Agropecuário), engenheiro agrônomo Lucas Schauff, a situação é consequência direta da falta de atualização e do corte de recursos do programa. “Na verdade, isso é o reflexo do que estamos alertando há meses, há anos. O contingenciamento e o corte de recursos tornaram inevitável a ausência de subvenção para a soja. Com isso, os boletos que seriam pagos pelo governo agora chegam ao produtor, que precisa assumir sozinho o custo do seguro”, explica.
Segundo Schauff, o impacto é expressivo: a subvenção cobria cerca de 20% do valor do prêmio do seguro rural. Sem ela, o produtor precisará desembolsar integralmente o valor contratado, o que torna o seguro agrícola ainda mais caro. “Para se ter uma ideia, o seguro de carro custa, em média, 3% do valor do bem. Já o seguro rural representa cerca de 10% do valor segurado, ou seja, mais que o triplo. O governo ainda arcava com uma parte disso, mas agora nem isso. O resultado é que o custo sobe e o produtor fica ainda mais vulnerável”, acrescenta.
O problema, segundo o representante da APEPA, não é apenas o corte, mas também a estagnação do orçamento destinado ao programa. O Plano Safra 2025 manteve a verba em R$ 1 bilhão — o mesmo montante de 2022 — sem considerar o aumento dos custos de produção e a inflação acumulada no período. “Não é possível considerar que houve manutenção, porque a inflação corrói o poder de compra. Com os custos de produção em alta, manter o valor estático significa, na prática, reduzir o alcance da política. Já sabíamos que menos áreas seriam seguradas. Agora, com o contingenciamento, a situação se agravou”, afirma.
Paraná prejudicado
O Paraná desponta como o estado mais afetado. Tradicionalmente, os produtores paranaenses são os que mais aderem ao seguro rural, reconhecendo a ferramenta como essencial para a mitigação de riscos. Em 2025, o estado contratou 19,5 mil das 46,9 mil apólices de seguro rural do País, o que representa 42% do total nacional. Foram mais de 944 mil hectares segurados contra intempéries climáticas, correspondendo a R$ 4 bilhões em valores protegidos, segundo dados do próprio programa federal.
Para Schauff, o corte da subvenção ameaça diretamente a estabilidade financeira dos agricultores paranaenses. “Os produtores daqui têm cultura de seguro e, por isso, conseguem se proteger melhor. Isso explica por que o Paraná tem menos renegociações de dívidas que outros estados, como o Rio Grande do Sul. Mas agora, sem o apoio federal, o produtor vai precisar se descapitalizar para manter o seguro — ou, pior, pode optar por não contratar, ficando completamente exposto aos riscos climáticos”, alerta.
Cobrança integral é resultado da desorganização do governo, diz FAEP
A situação também preocupa entidades representativas do setor. O presidente interino do Sistema FAEP, Ágide Eduardo Meneguette, afirma que a cobrança integral do prêmio pelos bancos e seguradoras é resultado direto da desorganização do governo federal. “Por falta de subvenção, nossos produtores estão sendo obrigados a pagar a integralidade do prêmio. Isso tem impacto direto no planejamento, ainda mais num momento de alta dos custos de produção e preços ajustados dos grãos”, diz.
Meneguette considera inaceitável que os agricultores arquem com esse custo. “Não vamos aceitar que esse valor seja cobrado do produtor rural por desorganização do governo federal. É um golpe na previsibilidade do setor, que já enfrenta dificuldades com o clima, com o crédito e com a rentabilidade das lavouras”, critica.
A verba inicial do seguro rural, prevista em R$ 1,06 bilhão para 2025, foi parcialmente bloqueada para cobrir outras despesas e garantir o cumprimento da meta fiscal. O resultado foi o corte efetivo de repasses às seguradoras, que agora repassam o valor não subvencionado diretamente aos produtores. “Nas últimas temporadas, cada vez mais agricultores estão renunciando à contratação do seguro por falta de subvenção. Esse cenário se mostra desafiador e preocupante para o setor produtivo”, reforça Meneguette.
Toda cadeia
O impacto econômico do corte tende a se estender por toda a cadeia. Com custos maiores e menos proteção, os produtores tendem a reduzir investimentos e adotar estratégias mais conservadoras. Schauff aponta que o efeito em cascata já pode ser previsto. “O produtor com maior custo e desprotegido se desestimula a investir. Isso significa menos produtividade e, consequentemente, alimentos mais caros para toda a população. Quando o campo perde capacidade de investimento, o impacto chega ao consumidor”, analisa.
Embora o governo federal não tenha anunciado uma recomposição imediata dos recursos, o setor produtivo cobra uma revisão urgente da política de subvenção. Para as entidades representativas, o PSR é uma ferramenta de segurança fundamental, especialmente diante da crescente ocorrência de eventos climáticos extremos. “O seguro rural não é um gasto, é uma política pública essencial para garantir a estabilidade da produção e da oferta de alimentos. Sem ele, o risco volta integralmente para quem produz — e o país inteiro acaba pagando essa conta”, conclui Schauff.