
Cascavel e Paraná - Atender todo mundo e dar conta da fila que só cresce — esse é o drama diário da saúde pública. Não é à toa que muita gente usa a expressão “enxugar gelo” para descrever o esforço dos municípios em tentar atender uma demanda que parece não ter fim. De um lado, pacientes em busca de consulta, exame e cirurgia. Do outro, gestores e profissionais que correm contra o tempo e o orçamento apertado para manter o sistema de pé.
Mas será que esse cenário vai mudar? Ou estaremos “enxugando gelo” também no futuro? Essas perguntas foram o ponto de partida do Saúde 2050, evento realizado quinta-feira (6) em Cascavel, que reuniu médicos, pesquisadores e gestores públicos para discutir o que vem pela frente. O encontro, promovido pela Câmara Técnica de Saúde e Bem-Estar da Codesc, colocou no centro do debate como a tecnologia, a prevenção e o cuidado com as pessoas podem transformar a saúde nas próximas décadas.
“Futuro agora”
Os especialistas foram diretos: se o país quiser uma saúde pública eficiente lá em 2050, precisa começar a mudar agora. A palavra de ordem é prevenção, mas com um empurrão da tecnologia. Inteligência artificial, robôs e aplicativos podem ajudar a detectar doenças antes que elas se agravem, organizar filas e facilitar o acesso a consultas e exames. Só que, como lembraram os palestrantes, nenhuma inovação faz milagre sozinha — é preciso investir em estrutura, educação e, principalmente, em qualidade de vida.
O Saúde 2050 também chamou atenção para um ponto que vai além dos hospitais e postos de saúde: o cuidado começa nas ruas, nos hábitos e nos espaços da cidade. “Não adianta falar em saúde se o bairro não tem esgoto, se as pessoas não se exercitam e se a prevenção continua em segundo plano”, reforçaram os debatedores.
Entre tantas ideias, um consenso: o futuro da saúde não pode ser apenas sobre máquinas e tecnologia, mas sobre gente cuidando de gente. E, se depender do Saúde 2050, o trabalho para transformar essa realidade já começou.
Pensar e Planejar
César Kawakami, coordenador da Câmara Técnica de Saúde e Bem-Estar e representante da Associação Médica de Cascavel, destacou que todos os membros atuam de forma voluntária nesse trabalho, que acaba sendo um braço do Poder Público, já que os profissionais trocam experiências e apontam melhorias possíveis. “O foco não é resolver o problema de agora, mas pensar e planejar como gostaríamos que fosse, com uma visão de futuro”, afirmou.
Kawakami explicou que os membros vivem realidades diferentes e trazem opiniões diversas, mas se conectam com os mesmos objetivos, sem viés político. Segundo ele, na saúde tanto agora quanto no futuro, é necessário pensar cada vez mais na prevenção e no bem-estar humano. “Temos a nosso favor a inteligência artificial e a robótica, mas o principal é cuidar das pessoas. Este é o centro de tudo e, por isso, precisamos pensar em um cenário que se enquadre nessa realidade”.

Enxugar gelo
Para o médico, a saúde pública atual está inflada e com um fluxo muito intenso de pacientes, o que gera um cenário preocupante, reflexo de uma cultura antiga, com realidades muito diferentes. O lado positivo, segundo ele, é que as novas gerações estão mais atentas ao corpo e ao bem-estar. “A saúde tem um custo muito alto e reflete, em diversas situações, a falta de estrutura básica, como a ausência de rede de esgoto, por exemplo. Por isso, precisamos alinhar a estrutura da cidade à rede de saúde, já que tudo está conectado”, frisou.
Para Kawakami, o Saúde 2050 representa um passo importante na discussão sobre a cidade e toda Região Oeste. “É uma forma de darmos uma chacoalhada em quem está à frente da saúde, porque o futuro começa a ser planejado agora”, definiu.
Mais que inovação
Para ele, não basta inovar: é fundamental inovar com ética, humanização e visão integrativa. “Precisamos antecipar tendências e refletir sobre como a tecnologia pode ser aliada do cuidado, respeitando princípios éticos e promovendo o bem-estar integral. Ao reunir especialistas e mobilizar a sociedade, buscamos apoiar decisões estratégicas e fomentar um debate qualificado sobre os caminhos mais promissores para a saúde do futuro”, afirmou.
Kawakami acrescentou que, ao longo dos trabalhos, os membros aprenderam que união, reflexão e trabalho conjunto são essenciais para construir soluções que façam diferença. “Assim como em outras áreas, o espírito empreendedor, a capacidade de adaptação e o respeito pela vida humana devem guiar nossas escolhas. O encontro é um espaço de aprendizado, diálogo e construção coletiva, pavimentando um futuro onde inovação, ética e cuidado integrativo caminhem lado a lado”, concluiu.
Inteligência artificial
Tiago Naves, professor da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná), um dos palestrantes, falou sobre a IA (Inteligência Artificial) como protagonista da saúde do futuro. Para o professor, a tendência é que cada vez mais as instituições utilizem ferramentas e produtos de IA para somar ao trabalho diário, atuando como copilotos e impulsionando o empreendedorismo. “Os gestores podem utilizar o financiamento para esse setor, que ainda tem muito a ser explorado, e este evento é muito importante para essa troca de experiências entre quem faz a saúde”, explicou.
Naves, cofundador do Lamia (Laboratório de Aprendizado de Máquina Aplicado à Indústria), lembrou que o projeto, criado no fim de 2019, iniciou desenvolvendo tecnologias de IA para órgãos públicos e empresas. Nos anos seguintes, consolidou-se como um centro de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), com o objetivo de gerar resultados de impacto por meio de produtos criados e validados em conjunto.