As notícias sobre tentativas de linchamentos vêm sendo uma constante no país. A sensação é de que há um descontrole coletivo, que faz com que pessoas comuns cometam crimes sob o argumento de fazer ?justiça?. A ?cultura do linchamento? se mantém associada à certeza da impunidade dos agressores, que atacam suspeitos sem sequer ter a certeza se são culpados.
Em apenas um ano ajudei, de folga, a evitar o linchamento de duas pessoas. Em 2015, um jovem que tentara furtar uma senhora na Tijuca. Depois, um menino de 11 anos, que, por ser negro e estar com outras crianças consideradas ?suspeitas?, foi espancado no Grajaú.
Tais casos são historicamente comuns no Brasil. Segundo o Núcleo de Estudo da Violência da USP, entre 1980 e 2006 foram registrados 1.179 episódios como esses. Os estados com maior incidência são Rio, São Paulo e Bahia. Só no Rio foram reportados, entre 1980 e 2010, 273 casos. Mas tais números não são fidedignos, pois não há estatística oficial, tampouco existe o crime de linchamento no Código Penal. Por isso, o registro é feito como lesão corporal ou tentativa de homicídio, o que acaba por encobrir severamente a realidade. Para o pesquisador José Martins, há ao menos um caso de linchamento por dia no Brasil e mais de um milhão de pessoas já participaram de tal barbárie.
Outro fato alarmante é que só o agredido acaba preso. Apenas o crime cometido por ele é registrado, e não o contra ele. Apesar de em 71% dos casos pesquisados os agredidos terem sido salvos pela polícia, em praticamente nenhum os agressores foram presos ou processados. Nessas situações, não aparecem testemunhas para acusar os que tentaram linchar; tampouco existem investigações sobre os autores. Ariadne Natal, da USP, mostra que dos 589 episódios que analisou em 30 anos, apenas um agressor foi a julgamento.
O linchamento, para o filósofo Robson Reis (PUC-MG), advém de uma tradição punitiva ocidental cristã de purgação pelos atos criminosos cometidos. Tais castigos físicos, bem demonstrado por Foucault, foram realizados oficialmente pelos estados absolutistas ocidentais até a criação das penas de restrição de liberdade. O linchamento passou a ser, então, um desafio à punição oficial estatal.
Na ?cultura do linchamento?, usualmente, os agredidos são de classes economicamente baixas. Para Ariadne, os casos não são aleatórios, mas se tornam direcionados a determinadas pessoas, não pelos seus crimes, mas pela classe social a qual pertencem: ?Não é qualquer pessoa que pode ser desumanizada e, portanto, linchada. As potenciais vítimas de linchamento carregam consigo a marca daquele que pode, em última análise, ser eliminado?.
O Brasil precisa sair da inércia em relação aos casos de linchamento. Os agressores devem ser responsabilizados, a fim de que outros se intimidem em realizar e até apoiar tal barbárie. É também imprescindível tabular dados atuais e concretos para que possam dar subsídios à implementação de políticas públicas que desestimulem o justiçamento e fortaleçam as instituições responsáveis por fazer cumprir as leis.
Luiz Alexandre Costa é major da PMERJ e mestrando em Direito e Sociologia pela UFF