Cotidiano

Onda de notícias ruins abala confiança do brasileiro e o PIB

RIO – O medo é mais forte que a confiança. Quando se instala, tudo paralisa, congela a economia. O Brasil está colecionando medos. Depois do segundo ano de recessão (2015-2016), num recuo acumulado de 7,2% do PIB, anunciado pelo IBGE no início do mês, a economia até começa a dar sinais de recuperação, como o aumento da confiança e a volta do emprego com carteira assinada, mas as notícias ruins não param de nublar o horizonte. A última foi a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal que desbaratou esquema de fraude nas produção de carnes em alguns frigoríficos de marcas conhecidas dos brasileiros. Esse medo já desembocou nas nossas exportações do produto, que desabaram 99% na primeira semana. Isso acontece no momento em que o surto de febre amarela se espalha pelos estados e já matou 162. Nas ruas, a violência urbana está cada vez mais perto. No Estado do Rio, 476 pessoas foram mortas em janeiro, pelo menos uma morte a cada duas horas. Samy Dana, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra o discurso do ex-presidente americano Ronald Reagan, no qual ele falava que ?tinha medo do medo?:

? O medo tem mais efeito psicológico que a confiança, inclusive para vender produtos. Falar dos perigos vende mais do que das vantagens. Numa crise, às vezes temos que tomar decisões, mesmo que ruins. O medo tira a iniciativa, o que pode custar a vida de um negócio.

pacman-26-03Esses fatos paralelos à economia chegam quando a confiança voltou aos níveis de 2014, antes de a crise econômica ficar mais grave.

? Não dá para falar em otimismo, podemos falar de pessimismo mais moderado, respaldado por novidades da economia, com a inflação cedendo, juros caindo, FGTS sendo liberado ? diz Aloisio Campelo, coordenador das sondagens da Fundação Getulio Vargas (FGV).

O psicanalista Alberto Goldin diz que o cidadão se sente como se estivesse sozinho no oceano. Sem saber que decisão tomar diante da onda de notícias ruins que chegam a toda hora.

? O famoso conceito de confiança exige que o futuro seja controlado, pacífico, agradável. Nunca tivemos uma recessão com essa. O que vai fazer? Comprar? Vender? Estão todos temendo o futuro.

Mas o brasileiro é um otimista mesmo cercado de notícias ruins. O carnaval foi prova disso. Durante mais de uma semana, as ruas se encheram de festas. E as epidemias de dengue, zika e agora febre amarela, que afetaram as intenções de viagem dos brasileiros no ano passado, já mostram reação. O medo de viajar diminuiu. A taxa dos que pretendem viajar nos próximos seis meses estava em 21,1% em fevereiro. Um ano antes era de 18,7%.

? O ano de 2016 foi pior que 2015, mas não um desastre. A cultura da viagem entrou na cesta de compras do brasileiro. Em 2012, eram 30 milhões de turistas. Em 2015, eram 90 milhões. Houve mais viagens regionais, por menos tempo, mas as pessoas não deixaram de viajar. E bastou o dólar ficar mais barato (chegou a mais de R$ 4 no início de 2016 e hoje está a R$ 3,10) para as viagens internacionais voltarem a crescer ? disse Jeanine Pires, consultora de turismo e ex-presidente da Embratur.

SINAL DE MUDANÇA ADIANTE

Mas o medo da violência ainda deprime a economia, num círculo vicioso. Daniel Cerqueira, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e estudioso de segurança pública, diz que o medo da violência urbana mexe diretamente com as decisões de consumo e investimento:

? Muda o padrão de consumo. Mesmo que tenha condições de comprar um carro mais caro, fica com medo de mostrar um bem mais valioso. O consumidor deixa de frequentar espaços públicos e se fecha em condomínios.

Cerqueira compara a sensação de insegurança com a expectativa de inflação, que se torna uma profecia autorrealizável.

? Acham que o futuro vai lhe trazer mais risco. Há um acirramento da segregação social.

Embora o medo do desemprego continue alto, em fevereiro o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, mostrou que foram abertas 35,6 mil vagas com carteira assinadas, depois de quase dois anos de queda. E alguma notícia boa aumenta a confiança, que pode se refletir no consumo e no investimento, num círculo mais virtuoso.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

?O medo tem mais efeito psicólogo que a confiança. Falar dos perigos vende mais do que das vantagens?, Sammy Dana, Economista da FGV

?O famoso conceito de confiança exige que o futuro seja controlado, pacífico, agradável?, Alberto Goldin, psicanalista

?O ano de 2016 foi pior que 2015, mas não foi um desastre. A cultura da viagem entrou na cesta de compras do brasileiro?, Jeanine Pires, ex-presidente da Embratur

?Não dá para falar em otimismo, mas de pessimismo mais moderado, com inflação cedendo, juros caindo e FGTS sendo liberado?, Aloisio Campelo, coordenador das sondagens da FGV

?Mesmo que tenha condições de comprar um carro mais caro, fica com medo de mostrar um bem mais valioso?, Daniel Cerqueira, economista do Ipea