BRASÍLIA – O governo obteve vitória no Senado resgatando, após saraivada de críticas, o texto original mais duro para a governança das empresas públicas, aprovado em tempo recorde. Mas não fazia ideia de que a batalha estava só começando. Há uma semana sobre a mesa do presidente interino, Michel Temer, a Lei de Responsabilidade das Estatais é alvo de diversos lobbies e poderá sofrer vários vetos, para contemplar reivindicações e alertas que partem desde políticos na antessala do gabinete presidencial até entidades de classe, passando pela Bolsa de Valores de São Paulo e organizações que visam à boa gestão corporativa. Diante da ?saia justa?, conforme definiu um assessor palaciano, Temer adiou a sanção para a próxima semana.
A maior pressão vem de políticos e sindicalistas que defendem a proibição para que dirigentes de partidos e sindicatos exerçam cargos na direção das estatais. Temer, no entanto, está decidido a manter a restrição. Por enquanto, estão definidos dois vetos: a proibição para que presidentes das empresas façam parte dos conselhos de administração e a questão da responsabilidade solidária ? que pode fazer com que conselheiros, mesmo que tenham votado contra um assunto, possam ser responsabilizados no futuro por decisões erradas da maioria.
?HÁ PRESSÕES DE TODOS OS LADOS?
NA quarta-feira, durante incursão no Congresso Nacional, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que a decisão sobre o texto definitivo da nova lei das estatais será política. Temer pretende sancionar a nova lei em uma cerimônia no Planalto com a presença de vários parlamentares em um ato simbólico para marcar uma nova fase na gestão das estatais e busca costurar uma ampla negociação.
? Esse processo é político, temos prazo. O presidente quer rapidez, sim. Conversamos longamente com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), autor do projeto, e temos que ouvir o pessoal da Câmara, que tem outras ponderações ? disse Padilha.
? Não gostaria de usar este termo, mas o fato é que há pressões de todos os lados ? emendou um interlocutor do Planalto.
O presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (Paulinho), confirmou que procurou a Casa Civil, pedindo veto à proibição de sindicalistas na direção das estatais. Segundo ele, a restrição está incomodando o movimento sindical.
? Fica parecendo que todo sindicalista é ladrão. Não é porque o PT e pessoas ligadas à CUT roubaram e deram prejuízo às estatais que todos vão fazer a mesma coisa ? disse Paulinho.
Os dois vetos já decididos por Temer foram indicados por mercado e entidades de classe. Também estão em pauta outras questões, como a atribuição ao conselho, e não à diretoria, do papel de implementar gestão de riscos. Há, ainda, o artigo sobre o número mínimo de sete conselheiros nas estatais estaduais, considerado elevado.
Também há queixa de que se cria um emaranhado jurídico desnecessário e que a Lei das S.A. deveria prevalecer. Para entidades como a Associação Brasileira de Mercado de Capitais (Amec) e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), poderá haver conflito de regras. A opinião também foi compartilhada de forma mais reservada por alguns membros da Bovespa (a Bolsa já tem um programa com regras específicas para as empresas com ações).
? Se o objetivo maior é fortalecer a governança das estatais, aumentando a transparência, a responsabilidade dos administradores e os direitos e deveres de acionistas, por que não inserir as empresas públicas no rol dos entes cobertos pela Lei das S.A.? ? questionou o presidente do IBGC, Emilio Carazzi.
A entidade critica ainda a nova lei por definir conselheiros eleitos por acionistas minoritários e empregados como ?representantes? dessas classes, contrariando o princípio da Lei das S.A. de que todos os administradores devem atuar exclusivamente no interesse da companhia, independentemente de quem os indicou.
Para o professor de Estratégia Corporativa do Insper, Sandro Cabral, a proposta é ?boa?, mas não resolverá a ingerência nas empresas. Para ele, também é insuficiente para assegurar maior profissionalização da direção das estatais. A exigência de experiência de dez anos, disse, não garante capacitação para conduzir as empresas.
? A lei não impede que um operador de partidos seja nomeado para os cargos ? destacou Cabral, acrescentando que o mais importante é o sinal que o governo dá ao mercado de não interferência nessas empresas. ? Haverá uma confusão regulatória, qual lei as empresas vão seguir, a nova ou a Lei das S.A.?
Há também pressão pelo veto à permissão para estatais usarem o RDC (Regime Diferenciado de Compras) no lugar da lei de licitações em alguns casos por parte do Sindicato da Arquitetura e Engenharia Consultivas e outras entidades. Outras críticas dizem respeito ao nível de detalhamento da proposta que entra em questão de regimento interno de autorregulação, como para que estatais lancem ações na Bolsa. Critica-se a exigência de conselheiros independentes na proporção de 25%, enquanto que a Lei das S.A. fixa 20%. Só o Ministério do Planejamento enviou nove sugestões de veto ao Planalto.
GOVERNO DEU AVAL PARA MUDANÇAS NA CÂMARA
Procurada, a assessoria de imprensa da Bovespa disse que seria necessário aguardar o texto final da nova legislação:
?Devemos aguardar a conclusão do processo de aprovações e sanção da Lei de Responsabilidade das Estatais mas, de forma geral, nos parece que essa nova lei traz contribuições importantes para este assunto?, informou a Bolsa.
Parte da culpa pela pressão é do próprio Palácio do Planalto. Segundo parlamentares, o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima tinha dado aval a Andre Moura para flexibilizar na Câmara a legislação, diante das mais de 800 nomeações pendentes em sua mesa. Parlamentares do PSDB, como o líder na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), e o senador Tasso Jereissati (CE) ficaram indignados com o esvaziamento do projeto e trabalharam para resgatar o texto original no Senado, com ajuda do presidente da Casa, Renan Calheiros.