RIO ? Seria a distância entre dois modos de inteligência ? a racional e a da sensibilidade poética ? a tragédia do homem contemporâneo? E seria a violência produto dessa divisão? Provocações e reflexões como essas permeiam a peça ?Céus?, do libanês Wajdi Mouawad, tragédia contemporânea que investiga, justamente, do que é feito ?esse grande impasse civilizatório que vivemos hoje?, como explica o diretor Aderbal Freire-Filho, que encena o texto a partir desta quinta-feira no Teatro Poeira. Wajdi Mouawad
? O Wajdi nos apresenta, nessa peça, um grande problema do nosso tempo, que vai além do terrorismo ? diz o diretor, referindo-se a um dos temas centrais da obra. ? Ele nos mostra uma equipe de investigadores que trabalha para impedir um atentado. Porém, entre eles há duas linhas de investigação, uma é mais racional e a outra é mais poética, e é a discordância entre essas duas vias que gera os conflitos e uma falta de compreensão mútua que desemboca na tragédia. Talvez o que falte para resolver o impasse da investigação, assim como os da nossa sociedade, seja uma maior sensibilidade aos sinais do poético, um contraponto a essa obsessão pela razão fria.
Conhecido do espectador brasileiro pelo sucesso da peça ?Incêndios?, encenada há três anos por Aderbal, Mouawad escreveu ?Céus? como a etapa final de uma tetralogia (?Sangue das promessas?) da qual ?Incêndios? é a segunda parte. Segundo o próprio autor, além de mais contemporânea, ?Céus? é um contraponto em relação aos três trabalhos anteriores, ?uma peça em que busquei contradizer, em substância e na forma, tudo o que ?Litoral?, ?Incêndios? e ?Florestas? tentam defender: a importância da memória, a busca de sentido e a busca do infinito?. Vista sob a perspectiva de Aderbal e do ator Felipe de Carolis, idealizador e coprodutor das duas montagens brasileiras, ?Céus? questiona o que pode a arte diante do horror, e se materializa em cena como um ?grito final de desespero?, diz o diretor.
? O medo e a ameaça são questões dessa peça e do nosso tempo. São preocupações muito vivas do Wajdi, que mora na França e tem vivido um contexto de atentados, de terrorismo ? diz Aderbal. ? Sobre essa peça, ele diz que ela é uma espécie de grito, uma explosão diante do medo, das crueldades de uma civilização que descambou para a barbárie. Esse grito é a expressão final diante do terror, das desigualdades e de todos os conflitos do contemporâneo. ?Céus? reflete sobre o medo e sobre os laços afetivos que tecemos.
Em primeiro plano, a peça mergulha o espectador num bunker onde atuam cinco agentes de um serviço de inteligência, vividos por Charles Fricks, Felipe de Carolis, Isaac Bernat, Rodrigo Pandolfo e Silvia Buarque. Cada qual com sua especialidade, eles rastreiam, hackeiam e criptografam informações a fim de impedir um atentado terrorista que ameaça oito diferentes cidades.
VINGANÇA DE UMA GERAÇÃO
O desafio de elucidar enigmas e mensagens cifradas, porém, se complexifica à medida que os agentes se dividem entre duas linhas de investigação, a Islâmica e a Tintoretto ? esta última nomeada em referência ao pintor italiano Jacopo Robusti (1518-1594). O duelo entre inteligência e terror proposto pelo autor é enigmático, e descarta, como motivação para os tais atentados, o óbvio jogo de oposições entre mundo ocidental e mundo islâmico.
? São atentados diferentes, ?algo nunca visto?, como diz um personagem… Não são motivados por questões religiosas ? diz Aderbal. ? São resultado de um mal-estar da juventude, de uma geração que quer se vingar de um mundo que, para alcançar objetivos bélicos, usa esses jovens como buchas de canhão.
Idealizador das montagens, Carolis conta que decidiu encenar ?Céus? à mesma época em que ensaiava ?Incêndios? e via, do lado de fora do teatro, as ruas do país pegando fogo com as manifestações de junho de 2013.
? A vontade de fazer ?Céus? nasce ali, de observar aquele movimento liderado pela juventude, e ao mesmo tempo o texto do Wajdi ia nos mostrando até onde pode ir essa revolta se não olharmos para a juventude. O fato de os atentados, em sua maioria, serem realizados por jovens entre 25 e 32 anos é assustador, e torna essa peça fundamental.
E Silvia destaca a forma adotada pelo autor para a trama:
? A peça é misteriosa, difícil de ser decifrada, e gera diversas interpretações.
Para potencializar essas leituras, Aderbal construiu uma encenação polifônica e moderna, com fortes intervenções sonoras de Tato Taborda e cenário (de Fernando Mello da Costa) integrado a um jogo de projeções criados pelo estúdio Radiográfico:
? Nunca havia trabalhado com vídeo, mas aqui ele vem para potencializar um jogo que é sim muito atual, mas que segue tendo como motor os atores, a matéria fundamental do teatro.
Serviço ? ?Céus?
Onde: Teatro Poeira ? Rua São João Batista 104, Botafogo (2537-8053).
Quando: Qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h. Até 31/10.
Quanto: R$ 80.
Classificação: 14 anos.