O público mais antenado que foi ao Sambódromo ontem para ver o tiro com arco composto esperava o protagonismo do ?Arqueiro sem Braços”, apelido do americano Matt Stutzman, que entrou para o Livro dos Recordes por alcançar um alvo a 283,47 metros de distância, em dezembro de 2015. Ele, que foi prata em Londres-2012, atira com o pé e a boca. Mas, no combate homem a homem, nas oitavas, caiu diante do brasileiro Andrey de Castro, que estreou em Paralimpíadas.
? É difícil de explicar o quão incrível o Matt é. Muita gente se supera nessa competição, mas ele é o ápice. Nunca o enfrentei. Tentei não me influenciar com nada ao redor, foquei nos pequenos detalhes, na mão no arco. Receio de perder, sempre tenho ? disse Andrey, que, nessa altura do campeonato, já tinha vencido o sul-coreano Ouk-Soo Lee, atual campeão mundial (140 a 139).
Andrey ficou paraplégico em 1995, quando sofreu um acidente de carro entre Goiânia (GO) e Apucarana (PR), sua cidade natal. Viajava com um amigo que dormiu ao volante. Andrey, que dormia no banco do passageiro, levou um tranco do cinto de segurança e fraturou a coluna.
Conteúdo de uma matéria só: quadro de medalhas
Andrey e Matt competem com atletas com paraplegia e mobilidade articular limitada nos membros inferiores e usam cadeira de rodas. O grupo engloba ainda aletas sem deficiência nos braços, mas com leve deficiência nas pernas, que atiram sentados. Matt é a exceção e não se importa com essa condição. Faz questão, inclusive, de fazer tudo sozinho. Entra na área de prova carregando o próprio material. Abre o banco com o apoio da cabeça e ombros. Com movimentos com o tronco e pescoço, coloca o equipamento de segurança. Encaixa a flecha na corda e equilibra o arco usando os dedos do pé. Estica a perna e projeta o corpo para trás, tensionando a corda. O gatilho fica preso ao peito, na proteção, e a boca o dispara.
? Ele leva alguma desvantagem só no tempo de colocar a flecha porque pega com o pé e coloca no arco. Atira nos últimos segundos e pode sentir alguma pressão ? admitiu o brasileiro. Os combates tem cinco sets. Em cada set, o atleta atira três flechas e tem 20 segundos por disparo. Na Paralimpíada, o tiro com arco composto (com roldanas e dois cabos) tem alvo a 50m de distância com 80cm de diâmetro; a área dos 10 pontos tem 8cm.
Ontem, Matt perdeu para Andrey por um ponto (142 a 141), fazendo o pior tiro na última tentativa. Decepcionado com a nota 8, disse que não desistiu do sonho de ser campeão olímpico.
? Às vezes saem tiros ruins. Esse último, quebrou no meio. Não consigo explicar por que tirei um oito, não gosto de tirar oitos ? lamentou Matt, bastante aplaudido no Sambódromo. ? É pensar em Tóquio. Essa meta ainda está de pé.
Quem o vê em ação tem certeza que uma nota 8 não o impedirá de seguir em frente. Sem explicação médica, ele nasceu sem os braços, em 1982, na cidade de Kansas. Segundo estatísticas daquele ano, um em cada 350 mil bebês nasceu como ele. Os pais biológicos se assustaram com ideia de criar uma criança especial. Matt foi adotado com quatro meses de idade por Leon e Jean Stutzman. O casal deu liberdade para o garoto crescer livremente pela fazenda da família e aprender a lidar com a vida sem tratamentos especiais.
? Posso fazer tudo. Lavo os cabelos, faço a barba, dirijo e sei cozinhar ? fala Matt, que acompanhava o pai em caças a cervos com o arco e flecha e que iniciou sua carreira esportiva no Parapan em Guadalajara-2011 (foi quarto). ? Como não tenho as mãos, foi natural que os pés substituíssem minhas mãos. Lembro de uma história em que queria subir numa árvore de maçãs e o meu pai me disse que se eu subisse, teria de subir e descer sozinho. Desde então, achei formas de fazer tudo por mim mesmo.
UM NOVO CAMPEÃO
Após derrotar Matt, Andrey teria pela frente o atual campeão parapan-americano, o também americano Andre Shelby. Mas o ?vento virou? e ele experimentou a derrota no último lance. Exatamente o que havia acontecido com o sul-coreano e com o ?Arqueiro sem Braços?. Andrey tinha vantagem de dois pontos e a flecha para atirar.
? Uma competição de tiro com arco só é interrompida com tornado. O tempo estava se esgotando, estava com dificuldade de estabilizar o arco, o vento atrapalhou. E veio o 7.
Shelby prosseguiu. Venceu o australiano Jonathon Milne (139 a 138) e, na final, o italiano Alberto Luigi Simonelli, prata em Pequim-2008 (144 a 143). Ficou paraplégico após acidente de moto e se aposentou da Marinha dos EUA. Ganhou o ouro em sua primeira Paralimpíada.
? Trabalhei duro durante quatro anos. Algumas pessoas tinham mais fé do que eu nessa medalha? disse o humilde campeão.