Desde os primórdios da civilização, o homem usou a força do animal de tração a seu favor. Em tempos de guerra, para deslocar alimento, tropas e todo o arsenal necessário para uma batalha, contava o exército com a força de um quadrúpede. Assim, elefantes, camelos, bois e até cães contribuíram, mesmo que de forma involuntária, para a realização dos combates. Mas de todos os animais utilizados na guerra, nenhum nem de longe chegou aos pés, ou melhor, às patas de um cavalo. Sua importância era tanta que os Assírios, um povo da Antiguidade, desenvolveu um capacete de ferro com um prolongamento semelhante a um chifre com a singela finalidade de matar os equinos. O artefato era colocado nas cabeças de cães de grande porte, animais treinados para meter a cabeça no ventre do cavalo, em cujo lombo estava o inimigo, e dilacerar seu abdome.
Por transportar velozmente um combatente pelo campo, cavalo era um problema sério e precisava ser abatido. Mortalmente ferido em suas entranhas, perdia o animal a capacidade de locomoção, o que fazia de um bravo soldado um reles homem sem cavalo. E se não está morto quem peleia, a falta de um equino já é meio caminho andado rumo aos sete palmos de terra.
E não pense no meio da confusão alguém se compadecia pela criatura que, com o ventre rasgado, agonizava seus últimos instantes.
A triste herança de servir na guerra chegou ao século XX. Há alguns anos, publicou-se estudo que revela o surpreendente número de 8 milhões de cavalos mortos durante o período que compreendeu a Primeira Guerra Mundial.
Naquela época, leis permitiam que eles fossem recrutados de civis e azar se era o cavalo a principal força animal usada na agricultura. Lamento, o quadrúpede agora vai servir à pátria nos campos de batalha. Só esqueceram de perguntar aos equinos se eles estavam dispostos a carregar mortos, equipamentos, conduzir sentinelas e levar soldados para silenciosamente espionar o inimigo. Corpulentos, também eram os cavalos alvos fáceis da artilharia, desta vez com estragos bem maiores se comparados aos cães assírios. Se guerra é guerra, imagine se seriam os raros medicamentos do front utilizados em cavalos feridos. Até o ato de misericórdia custava dinheiro. Bala na cabeça de um cavalo para dar fim a sua dor era desperdício: munição só para abater o inimigo.Removidos da lavoura e colocados no centro dos horrores, cavalos não raro foram abandonados à própria sorte morrendo de fome, sede e exaustão, e os poucos que restaram foram vendidos para novamente ser empregados na lavoura com ferimentos que comprometeriam sua saúde e sua capacidade para o trabalho. E sem direito à aposentadoria.
Estudiosos no assunto mostram que a presença equina junto às tropas também não era lá um fator de motivação. O calvário dos cavalos, figuras que remontam à infância, cada dia mais magros, doentes e fracos, aceitando pacificamente a morte por inanição causava forte abalo na moral das tropas que nada podiam fazer para salvar da fome e da morte seus companheiros de guerra.
Há quem entregue um reino por um cavalo, mas no mês em que a Primeira Guerra Mundial completa mais um ano, nosso cavalo amigo não precisa de tanto. No 07 de setembro brasileiro e no 20 de setembro gaúcho, dia da Revolução Farroupilha, entre comemorações e desfiles valia um afago na crina, um toque no ombro, fazer um agrado no animal que não serve apenas para ficar embaixo de figuras históricas em quadros e monumentos, uma criatura amiga que não é apenas o símbolo do gaúcho, mas um animal extraída de seu mundo de quietude para emprestar sua energia, força e agilidade com vistas a uma conquista de finalidade para ele desconhecida.
Ao vencedor as batatas, e ao cavalo gaudério nosso mais profundo e sincero reconhecimento pelo sangue de seus ancestrais que, misturado aos de seus cavaleiros, tingiu o solo da Revolução Farroupilha.
Vivian Weiand