RIO – Era um Brasil x Argentina. No torneio de basquete, onde as duas seleções sempre fazem jogos tensos e onde a torcida ‘hermana’ já vinha se destacando pela presença e pelo barulho. Havia uma clima de tensão no ar, com o receio de que ocorressem atritos e confusões. A segurança foi reforçada, e homens da Força Nacional estavam na Arena Carioca 1 com escudos reservados aos batalhões de choque, prontos para que o desse e viesse. A tensão, porém, ficou reservada à quadra, onde Argentina e Brasil fizeram um jogo impróprio para cardíacos. Após duas prorrogações, os argentinos venceram por 111 a 107, deixando a seleção brasileira em situação difícil na Olimpíada, com uma vitória em quatro rodadas.
Basquete: Brasil 107 x 111 Argentina
Nas arquibancadas, o que se viu foi um duelo de cantos, vaias e provocações, mas sem confusões. Segundo a Força Nacional, apenas uma discussão entre um brasileiro e um argentino foi registrada logo no começo da partida. Nenhuma prisão foi efetuada. Antes da bola subir, os dois capitães reforçaram um pedido que a disputa fosse apenas esportiva, na base do gogó e das palmas. Marceliniho Huertas e Luis Scola foram ao centro da quadra, com microfone em punho, e falaram sobre a importância do espírito olímpico.
? Somos irmãos latino-americanos e contamos com vocês para que se tenha uma celebração inesquecível ? disse Huertas.
? Em nome da minha equipe, espero que tenhamos um espetáculo esportivo bom. Vamos aproveitar civilizadamente e com muito respeito ? completou Scola.
O primeiro sinal de que a tarde seria pacífica veio durante a execução dos hinos. Nenhuma vaia, nenhum apupo. Brasileiros cantando seu hino, argentinos aguardando em silêncio. Argentinos cantando seu hino, brasileiros observando, respeitosos.
Bastou a bola subir e a partida começar para o silêncio acabar. Praticamente lotada, a Arena Carioca 1 ferveu. Um mar de camisas amarelas cantava “Brasil, Brasil”, enquanto diversos grupos argentinos, espalhados, eram como focos de resistência, entoando seus tradicionais cânticos – que eram recebidos com vaias pelos brasileiros. Em quadra, o primeiro quarto foi dominado pela Argentina, que venceu por nove pontos (28 a 19).
A reação do Brasil no segundo quarto incendiou a torcida, que cresceu junto com o time. A galera batia os pés no chão, fazendo um barulho ensurdecedor, e a virada no placar em uma cesta de três pontos de Benite quase iniciou um carnaval nas arquibancadas. O Brasil foi para o intervalo vencendo por 52 a 44, e a empolgação se espalhou pela arena. Na área dos bares, enquanto esperavam em longas filas, grupos de torcedores resolveram criar novos cantos para provocar os ‘hermanos’, lembrando o jejum de 24 anos sem títulos no futebol.
Messi foi um dos alvos preferidos. “Argentina nunca ganha nada, seleção faliu, Messi desistiu, 24 anos…” e o resto da rima não se pode publicar aqui. “Eta, eta eta eta, Messi não tem Copa, quem tem Copa é o Vampeta” dizia outro canto, lembrando do folclórico volante pentacampeão mundial com a seleção em 2002. Sobrou até para a situação econômica do país vizinho: “Au au au, cinco pesos, um real”. A gaiatice do brasileiro não conhece limites.
APP RIO OLÍMPICO: Baixe grátis o aplicativo e conheça um Rio que você nunca viu
Se durante o intervalo os argentinos apenas observavam as provocações, sorvendo uma cerveja aqui e outra acolá, assim que o terceiro quarto começou a situação mudou. Com a mão quente, Nocioni acertava bolas de três pontos como se fossem lances livres. A diferença foi sendo pulverizada, assim como a empolgação da torcida brasileira. Os argentinos cresceram em quadra e nas arquibancadas. A massa amarela ensaiou uma reação no quarto final, entoando o indefectível “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor” e recorrendo ao canto de “mil gols, mil gols…”, que fez sucesso na Copa do Mundo dois anos atrás, exaltando os feitos de Pelé e provocando Maradona.
Em quadra, a tensão atingia níveis estratosféricos, com as duas seleções cometendo erros bobos que poderiam custar o resultado. A três segundos do fim, Nocioni, de novo ele, acertou uma bola de três pontos que chorou, chorou e caiu. Novo abatimento brasileiro, nova euforia dos ‘hermanos’, que ensaiavam transformar a Arena Carioca 1 em uma Bombonera.
Uma prorrogação não foi suficiente para desfazer o empate, e no novo tempo extra a Argentina disparou na frente. Leandrinho, até então apagado e zerado, resolveu acordar e marcou nove pontos. A pouco mais de um minuto do fim, o Brasil encostou no placar e a torcida recorreu ao “Eu acredito!”. Acreditou até o fim, mas a Argentina foi mais eficiente e soube fechar o jogo em dois lances livres do maestro Ginóbili.
E aí, de fato, fez-se a Bombonera no Rio. Brasileiros deixaram as arquibancadas em silêncio, enquanto só se ouviam os cantos em espanhol: “soy argentino, es un sentimiento, no puedo parar…”. O sistema de som do ginásio pedia que o público deixasse o local para a entrada dos torcedores da próxima partida. Aos poucos os argentinos foram saindo, com a Força Nacional dando uma ‘forcinha’. Com a Arena Carioca 1 vazia e em silêncio, parecendo ainda se recuperar do espetáculo que presenciara, ao fundo ainda se podiam ouvir os cantos dos vencedores. “Soy argentino…”.