SÃO PAULO ? Geraldão, um marmanjo na casa dos 30 anos que mora com a mãe; Dona Marta, uma mulher bela e despudorada; ou o Casal Neuras, mergulhado nas crises e dilemas da vida a dois em meio à abertura política e à liberalização dos costumes no país a partir dos anos 1980. A galeria de personagens hilários e o humor ácido com que descrevia suas vidas, em traços sempre nervosos, marcam a obra do cartunista paranaense Glauco, que não se furtava em admitir que alguns de seus personagens se inspiravam nele próprio ou em amigos próximos. Essa e outras facetas de seu trabalho podem ser descobertas na mostra Ocupação Glauco, em cartaz de hoje a 21 de agosto no Itaú Cultural, em São Paulo, seis anos após a sua morte.
Com curadoria assinada pelos núcleos de Audiovisual e Literatura e de Comunicação do Itaú Cultural, a exposição reúne mais de 200 trabalhos. São HQs, rabiscos, charges, tirinhas, desenhos, a maior parte não finalizados, com bilhetes e até caricaturas espirituosas endereçadas aos editores do jornal ?Folha de S.Paulo?, onde por anos ele publicou grande parte de sua produção. Material que faz parte do acervo acumulado em mais de 30 anos e cuidadosamente guardado pela artista plástica Beatriz Veniss, com quem Glauco foi casado por 15 anos, relação que foi interrompida em março de 2010, quando o cartunista de 53 anos e seu filho Raoni foram assassinados em casa, em Osasco.
Para Claudiney Ferreira, gerente do Núcleo de Audiovisual e Literatura do Itaú Cultural, sua característica mais marcante era a capacidade de retratar assuntos delicados com certa leveza.
? Ele tinha uma irreverência para falar de questões sérias com sutileza. Com críticas políticas e ligadas aos costumes, o Glauco abriu um espaço enorme para a liberdade de expressão. Sem falar na personalidade do traço ? destaca Ferreira.
Nascido em Jandaia do Sul, no Paraná, Glauco herdou da mãe, Dona Cidu, o gosto pelo desenho e o bom humor. O irmão Pelicano, também cartunista, foi um de seus primeiros personagens. Mas foi em 1976, aos 19 anos, já morando em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, que ele publicou seu primeiro trabalho no jornal ?Diário da Manhã?. Daquela época, destacam-se os dois prêmios do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, que ele ganhou com charges que desafiavam a ditadura.
Em 1979, já em São Paulo, Glauco dividiu apartamento com os cartunistas Nilson Azevedo e Henfil, cujo traço influenciaria os primeiros anos de sua carreira. A partir dali, passou a fazer tirinhas com temas considerados tabu: nudez, sexo e drogas. Já na década de 1980, adquiriu um traço cheio de personalidade, retratando personagens com movimentos de braços e pernas multiplicados, sua marca.
Políticos em geral eram alvo da ironia do cartunista, incluindo boa parte dos presidentes da República do período pós-redemocratização: Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva eram frequentemente alvos de suas charges.
? O que eu mais admirava nele era o tipo de humor sutil. Era algo que pegava. Ele falava o que ninguém queria ouvir, mas como não era ofensivo ninguém nem conseguia ficar bravo com ele ? relembra a companheira Beatriz.
Na exposição, também há um espaço dedicado aos principais relacionamentos do cartunista, com depoimentos em vídeo do irmão e dos amigos Angeli e Laerte, com quem Glauco produzia a série de HQs ?Los 3 amigos?. Pelas pessoas próximas, é lembrado como cativante, bem-humorado, mas também distraído e desleixado.
O lado espiritual do artista também é representado na exposição. Em 1997, ele fundou a igreja Céu de Maria, ligada ao culto do Santo-Daime.
? O Glauco era um cara indisciplinado, atrasava a entrega dos trabalhos. Depois que começou a tomar o Daime passou a ter uma vida mais regrada, conseguiu se organizar. Ele adorava as duas coisas: a caricatura e o trabalho na igreja ? resume Beatriz.