RIO ? A pressão da caça para alimentação é apontada como uma das causas para extinções no passado, do pombo passageiro ao mamute, e centenas de espécies caminham para o mesmo destino. Essa é a conclusão do primeiro relatório global sobre os efeitos da caça sobre populações de mamíferos terrestres, publicado na terça-feira no periódico ?Royal Society Open Science?. Os pesquisadores catalogaram 301 espécies, incluindo chimpanzés, hipopótamos e morcegos, que estão em risco de desaparecer para virarem comida ou remédio.
A carne de caça é fonte de alimentação tradicional para muitas comunidades em áreas rurais, mas com o avanço de estradas para regiões antes remotas, a caça comercial em larga escala está alcançando habitats antes intocados. De acordo com os pesquisadores, sem ação de governos e organizações ativistas, o desaparecimento dessas espécies pode provocar um ?colapso na segurança alimentar de milhões de pessoas que dependem da caça? para viverem. O relatório não computa espécies ameaçadas pelo comércio de pele e outros adornos, como marfins e chifres.
?Quase todas essas espécies ameaçadas ocorrem em países em desenvolvimento, onde grandes ameaças coexistem incluindo o desflorestamento, expansão da agricultura, invasão humana e competição com o gado?, diz o relatório. ?O declínio implacável dos mamíferos sugere que muitos serviços ecológicos e socioeconômicos que essas espécies fornecem serão perdidas, com potencial para alterar os ecossistemas de forma definitiva?.
Alguns teóricos defendem que o planeta está passando pela sexta extinção em massa, dessa vez provocada pelo homem, pois espécies estão desaparecendo em ritmo mais acelerado que o padrão de longo prazo. A última vez que tantos animais desapareceram em tão pouco tempo foi há 65 milhões de anos, com a queda de um imenso meteoro.
O relatório foi produzido por cientistas de diversas universidades e institutos. Os pesquisadores analisaram a lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza para identificar os mamíferos terrestres que estão ameaçados pela caça por alimento. Eles encontraram 301 espécies, que representam 7% de todos os mamíferos ameaçados.
São 168 primatas, como o gorila e o chimpanzé; 73 animais com casco, como o iaque e o camelo asiático; 27 morcegos, como a raposa voadora de barba negra; 12 carnívoros, incluindo o leopardo nebuloso e várias espécies de urso. Existem ainda 26 marsupiais, como um canguru que vive em bosques na Nova Guiné, e 21 espécies de roedores, como o esquilo gigante de Sulawesi.
O relatório aponta que existem poucas políticas de proteção para essas espécies. Apenas 10,5% delas habitam áreas protegidas. Além disso, a maior parte da caça é ilegal, e acontece mesmo em parques e reservas. Dessa forma, os pesquisadores recomendam que governos reforcem o efetivo de guardas e aumentem as penas para a caça ilegal.
? Existem muitas coisas ruins afetando a vida selvagem ao redor do mundo, e a perda de habitat e a degradação estão claramente no front, mas entre outras coisas existe o impacto colossal da caça pela carne ? disse ao ?Guardian? David Macdonald, da Universidade de Oxford que participou do time internacional de pesquisadores. ? Você pode comemorar por ter algum habitat remanescente, uma floresta intocada, mas se a caça existir ela pode se tornar uma despensa vazia.
A escala global da caça é difícil de estimar, já que o comércio é ilegal. Estimativas indicam que 89 mil toneladas de carne saiam da Amazônia anualmente, e que 260 toneladas de carne de caça entrem ilegalmente na França pelo aeroporto Charles de Gaulle. Segundo Macdonald, é preciso distinguir a caça de subsistência da caça comercial.
Para a caça de subsistência, alguns conservacionistas defendem a manutenção do estilo de vida das comunidades, mas com apoio para um manejo sustentável das espécies, protegendo as mais ameaçadas e liberando a caça das mais numerosas.
? Existem aqueles que não têm opção além da carne de caça, e o que é feito para eles, e as pessoas que agora vivem nas cidades e têm a memória nostálgica do tempo que comiam essa carne, mas não precisam mais disso ? disse o pesquisador. ? Isso é luxúria.