RIO – Um grito de gol ouvido por toda a cidade olímpica sucedeu o chute de Neymar. Brasil campeão, a expressão que o futebol brasileiro, mais do que nenhum outro no mundo, precisava voltar a ter o direito de repetir. Não é só pelo fim da lacuna da medalha de ouro, é por voltar a produzir histórias alegres após tantas feridas duras de cicatrizar. A ameaça de nova frustração durou 120 minutos de ótimo e cardíaco empate em 1 a 1, e terminou na marca do pênalti, após dez chutes. O último, de um craque que escreve um capítulo que pode ser divisor de águas em sua relação com a seleção e com o torcedor brasileiro. Agora, o astro é também o vencedor, o condutor de um time campeão.Brasil é ouro no futebol
Não foi apenas a seleção que cumpriu seu papel na Olimpíada. Também a Olimpíada cumpriu um papel no futebol brasileiro. Os Jogos do Rio deixam como legado uma esperança renovada, um astral positivo que andava ausente num futebol que não suportava mais desapontamentos. O torneio olímpico tem suas peculiaridades, não dá a medida exata do estágio de duas escolas tão tradicionais. Mas jogos de futebol também são feitos para desfrutar como experiências prontas e acabadas. E quem esteve no Maracanã viveu um destes dias para não esquecer. E para se orgulhar de ter presenciado. Convença a alguma das quase 70 mil pessoas em um estádio apinhado, que pôs jornalistas em pé na vasta tribuna de imprensa por falta de espaço, que aquele Brasil x Alemanha era uma ocasião menor. Duas camisas pesadas, expressões da nobreza do jogo. E o futebol brasileiro ganhou, colheu o que foi buscar: a medalha para encerrar o jejum, os bons ventos para seguir sua dura caminhada pelo reencontro com seus melhores dias.
É tão grande o que se ganhou, em termos de um mínimo de credibilidade à nova geração, de tolerância e de esperanças, quanto o que se evitou perder em caso de derrota. O grito de ?Alemanha, pode esperar, sua hora vai chegar? era o cartão de visitas de um Maracanã disposto a ser parceiro da seleção o tempo todo. Corria a prorrogação quando a Alemanha tentou tocar a bola. O fez sob a mais ensurdecedora vaia de que se tem notícia nos últimos tempos: uma aliança campo e torcida que andava distante num país em depressão futebolística. Trair a confiança com uma derrota era dano irreparável. Amanhã, Tite convocará a seleção principal, iniciará um novo processo, talvez desvinculado desta medalha de ouro no aspecto técnico. Mas jamais no emocional.
Brasil x Alemanha: as imagens do ouro olímpica
Dois personagens em especial deixam a final maiores do que entraram. Neymar foi a inspiração, Renato Augusto foi a alma. O início da caminhada teve um Neymar criticado, em especial no aspecto comportamental. Pedia-se do craque mais presença após suspensões, equilíbrio e liderança agregadas à capacidade técnica. Ontem, fez novamente do Maracanã o palco para demarcar território do tamanho de sua representatividade no futebol brasileiro. Astro da mais recente conquista do Brasil, a Copa das Confederações de 2013, justamente ali, abriu o caminho da medalha de ouro com uma cobrança de falta de almanaque. Por um instante, o mundo olímpico só tinha olhos para ele, que o diga Usain Bolt, no Maracanã para ver Neymar celebrar com o gesto do raio, marca do jamaicano. Neymar estava no olimpo.
Mais tarde, o atacante faria as vezes de meia armador, de camisa 10. Foi líder fora de campo de um elenco que o idolatra. Foi decisivo dentro. E o destino ainda lhe deu o último pênalti.
E Renato Augusto? Parecia haver vários dele em campo. E era um só. Porque até o gol de Neymar, o Brasil dos quatro atacantes conseguia jogar junto, trocar passes, fazer a partida andar de igual para igual. Em especial, porque havia Renato Augusto para conectar, ser o elo entre defensores e atacantes.
TENSÃO EM 120 MINUTOS
Aos poucos, o vazio entre as duas partes começou a cobrar seu preço. O futebol brasileiro, ansioso pela velocidade e por acionar o talento que tem na frente, buscava o jogo direto e o time se espaçava. Ganhava, até ali, pelo talento. Mas o duelo das ideias de jogo passara a ser vencido pelos alemães, por seu modelo há tanto tempo consolidado, executado em modo automático. Ocupavam o meio e controlavam o jogo através do passe. A seleção perdia posse de bola, o que resistia de Brasil no jogo era Renato Augusto, indo e vindo, pela direita e pela esquerda, eixo do time num esforço brutal. Mas nem sempre bastou. Três bolas bateram no travessão brasileiro até o intervalo. Depois dele, Mayer empatou.
Torcedores celebram vitória do Brasil nas ruas do Rio
Primeiro com Felipe Anderson e depois, já na prorrogação, com Rafinha, o Brasil foi retomando a rédea de um jogo que lhe era desfavorável. Passou do 4-2-4 a um 4-4-2, um meio-campo mais preenchido, com Neymar tentando assumir o papel do último passe. Um Maracanã já aflito, tenso e menos barulhento, povoado por fantasmas, complexos e memórias terríveis, viu Gabriel Jesus quase marcar após arrancada de Renato Augusto. A segunda metade da etapa final tinha uma Alemanha mais cansada e um Brasil crescendo de novo. Em lance individual, Neymar deu a sensação do gol, antes de colocar Felipe Anderson de cara para a trave alemã no início do tempo extra.
Se não fosse neste sábado, quando seria? Embora tendo motivos para ser convencido de que o futebol brasileiro e a medalha de ouro não haviam sido feitos um para o outro, o Maracanã terminou cantando a prorrogação, jogada por 22 homens extenuados após um torneio de seis jogos em 17 dias. A esta altura, no imaginário daquelas 70 mil pessoas, que diferença havia entre uma final olímpica e uma final de Copa do Mundo? No gol à direita, de tantas histórias desde 1950, os oito primeiros pênaltis entraram. Weverton, o último a ser convocado após a lesão de Prass, pegou o chute de Petersen. Restava Neymar, como num roteiro sob medida. Minutos após o gol do título, após o pódio, lá estava ele nos braços do Maracanã.
O Rio de Janeiro cumpriu seu compromisso com o mundo de entregar uma Olimpíada. O futebol e o Maracanã, expressões maiores da cidade, se encarregaram de entregar a apoteose.