Opinião

Um pacto no tempo

Talvez, hoje, olhando para os passos já realizados, com mais clareza a respeito do resultado, haja aquela leve vontade de voltar no tempo, Até porque tomar a pílula azul ou vermelha tem o condão de mudar completamente o resultado final. Em termos práticos, o tempo se esgota como areia escorre pelos dedos sem chance de retroceder; juridicamente, porém, é possível que os efeitos de um ato jurídico alcancem situações pretéritas, tendo o chamado efeito retroativo.

A regra geral é olhar para o futuro, pois a manifestação de vontade não deve alcançar o passado, de modo que a própria lei estende seus efeitos adiante, em nome da segurança jurídica, salvo expressa retroação. Porém, há casos em que é possível vislumbrar efeitos de atos pretéritos, como em um pacto que se estende no tempo. Nesse sentido, um casal pode ir morar junto, experimentar a vida a dois, e decidir não formalizar uma união estável, ainda que presentes todos os requisitos, podendo fazê-lo a qualquer momento, por documento particular ou público, datando o início do relacionamento: é o que se chama de união estável retroativa.

A retroação é cabível e pacífica diante do regime de comunhão parcial de bens, no qual não se faz necessária documentação que o defina, aplicando-se, inclusive, no silêncio dos conviventes. Nesse caso, a data retroativa é aplicável em cartório ou por via judicial. Para regime de bens diverso, os tribunais não são unânimes; alguns admitem para qualquer regime de bens, em respeito à vontade das partes, outros, limitam ao regime de comunhão parcial de bens, em razão dos requisitos legais para a mutação de regime, em especial a proteção de terceiros contra fraudes.

Além disso, a Constituição prevê a facilitada conversão da união estável em casamento, de modo que se entende possível que ocorra com efeitos retroativos. No entanto, dificilmente se consegue via cartório, dependendo, pois, de ação judicial específica.

Vale destacar que a união estável não se confunde com o namoro ou mesmo com a coparentalidade, não à toa que têm emergido inúmeros contratos não convencionais a fim de distinguir expressamente o intuito relacional. Para a união estável, não é necessário cumprimento de prazo específico, mas tempo necessário para comprovação de união duradoura e contínua, com destaque à intenção de constituição de família.

Isso não significa, necessariamente, a existência de filhos em comum, visto que a conformação familiar não mais corresponde como regra à família de comercial de margarina. Deve, porém, ser sinônimo de amor e respeito, independentemente de seu molde.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas