“Sou graduada em História da Arte, na Universidade de Havana. Faço parte da equipe fundadora do Centro de Arte Contemporânea Wilfredo Lam, onde trabalho. Lá, também sou uma das curadoras originais da Bienal de Havana, que tem foco na arte dos chamados países em desenvolvimento.?
Conte algo que não sei.
As pessoas têm muito desconhecimento sobre a arte cubana. Ainda que não sejamos iguais, e cada país tenha especificidades culturais, há muito interesse comum. A Bienal de Havana trabalha, inicialmente, com esse mundo e, também, com o “quinto mundo”. Eu me lembro dos black artists, oriundos da Índia e do Paquistão e que se agruparam em Londres. Para nós, era importante tê-los, assim como os aborígenes australianos ou os ameríndios do Canadá. São minorias étnicas dentro do Primeiro Mundo, como os imigrantes. Isso é importantíssimo. Sempre há uma contaminação das novas linguagens. A arte recorre ao fenômeno de globalização.
O que significa o “quinto mundo”?
Um termo como “terceiro mundo”, utilizado na Conferência de Bandung, nos anos 50, que juntou países que haviam sido colônias. Nós nos apropriamos desse termo, e assim denominamos a produção artística e simbólica. E o “quinto mundo” recolhia toda essa gama de pessoas que não permaneceram em seu lugar de origem, ou tinham alguma diferença com o que se viria a chamar de mainstream, ou cultura dominante de seu país. Hoje, há uma revolução na dinâmica mundial, e a cultura já é outra. Há muita imigração e muito deslocamento.
Como vê a produção artística contemporânea na América Latina?
Não viajo por todo o continente, mas ela se mantém dentro de uma energia própria. A América Latina está experimentando o mesmo que ocorre em outras partes do mundo; ao mesmo tempo que os artistas trabalham suas linguagens e seus elementos, suas temáticas locais estão indo ao mundo. Os repertórios que manejam são mundiais.
E a arte de Cuba, hoje, como está?
Há uma evolução de mudança na percepção e no preconceito que se tinha em relação à arte da América Latina. A cena cubana é variada, e tem uma linha de trabalho de grupos de jovens. Um deles trabalha muito com pintura, alguns são muito bons. Há outros que são marcados pelo que se centra na experiência e no processo, e se valem tanto de performance quanto de vídeo. E há um interesse social evidente. Esses artistas jovens são muito impactados por todo o contexto tecnológico contemporâneo, a imagem digital e tudo mais. Também há aqueles que têm uma tradição muito forte e vêm dos anos 90, da arte objeto e da arte interação.
Esses jovens, que trabalham com as novas plataformas, também foram impactados pelas mudanças sociais?
Creio que as últimas gerações foram, não só os jovens. De alguma maneira, em Cuba, a história recente incide na revolução artística. Até pela falta de recursos. Essa carência produz coisas que podem ser interessantíssimas, como uma filosofia de vida, uma maneira de encarar uma questão. Também traz o ponto de vista da mulher, que tem encontrado novos lugares na sociedade. Penso que há, sim, uma relação, uma coincidência e, inclusive, uma potência.
Que papel teve o intercâmbio de cultura em Cuba?
A arte tem tido certa possibilidade de estar presente, pois o embargo é econômico e não cultural. Sempre há mecanismos pelos quais se pode atravessar. A cultura sempre teve a possibilidade de não estar no conflito. Pensam que, como houve mudanças na economia, “agora que se pode”. Não. Sempre foi assim.