Curitiba – Após solicitar ao STF (Supremo Tribunal Federal) a quebra do sigilo do depoimento prestado à Polícia Federal em Curitiba, no último sábado (2), a íntegra do que o ex-ministro Sergio Moro contou veio a público ontem. Foram mais de oito horas de depoimento a portas fechadas, na investigação que apura se as acusações que fez contra o presidente Jair Bolsonaro de tentativa de interferir na Polícia Federal e ter acesso a dados sigilosos são verdadeiras. Além de Bolsonaro, o próprio Moro é investigado. O relator do caso é o ministro Celso de Mello.
Moro disse aos investigadores que o presidente nunca lhe solicitou a produção de um relatório de inteligência da PF sobre um conteúdo específico, contudo, afirmou que lhe causou estranheza que isso tenha sido usado como argumento pelo presidente da República para a demissão de Maurício Valeixo da direção-geral da PF.
De acordo com o depoimento de Moro, durante reunião do conselho de ministros ocorrida em 22 de abril, o presidente cobrou a substituição do superintendente da PF no Rio de Janeiro e de Maurício Valeixo da direção-geral da PF. Bolsonaro teria dito que iria interferir “em todos os ministérios” e, sobre o Ministério da Justiça, se não pudesse trocar o superintendente da PF no Rio, faria a substituição na cúpula da instituição (a direção-geral) e no próprio comando da pasta, demitindo Moro.
As cobranças pela troca na superintendência da Polícia Federal no Rio vieram não apenas em conversas, mas também por mensagens de texto, segundo Moro. O ex-ministro disse no depoimento que recebeu mensagem pelo aplicativo WhatsApp do presidente da República, cobrando a substituição do superintendente do Rio de Janeiro, que tinha, mais ou menos o seguinte teor: “Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.
Vale lembrar que na segunda-feira (4), pouco depois de assumir o comando da PF, Rolando de Souza “promoveu” o superintendente da PF do Rio, Carlos Henrique Oliveira à diretoria-executiva da PF, cargo burocrático em Brasília. Questionado, Bolsonaro disse que não pediu a troca.
Outros ministros
O ex-ministro da Justiça relatou aos investigadores que se reuniu em 23 de abril com Bolsonaro, quando o presidente lhe informou da demissão de Valeixo da direção-geral da PF. Em seguida, Moro se reuniu com o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e os ministros Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), e que informou aos ministros os “motivos pelos quais não podia aceitar a substituição e também declarou que sairia do governo e seria obrigado a falar a verdade”.
Segundo Moro, ele também tratou com os colegas sobre os pedidos de Bolsonaro de obtenção de relatórios de inteligência, quando o ministro Augusto Heleno teria afirmado que “o tipo de relatório de inteligência que o presidente queria não tinha como ser fornecido”.
No dia seguinte, 24 de abril, Moro anunciou sua demissão e fez uma série de acusações contra o presidente da República.
Interferência
Em depoimento, Moro também afirmou que, em outras áreas sensíveis do Ministério da Justiça, como secretarias e órgãos demais órgãos sob a jurisdição da pasta, não houve tentativa de interferência. “O presidente não interferiu, ou interferia, ou solicitava mudanças em chefias de outras secretarias ou órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, como, por exemplo, a Polícia Rodoviária Federal, o Depen, a Força Nacional”, listou.
A exceção foi quando Bolsonaro pediu a revogação da nomeação de Ilona Szabó do Conselho Nacional de Política Criminal do ministério. O episódio ocorreu ainda em fevereiro de 2019.
Bolsonaro mostra conversa com Moro e diz que ex-ministro cometeu crime
O presidente Jair Bolsonaro rebateu ontem as acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro de que tentou interferir na Polícia Federal, o que chamou de “mentira deslavada”.
Em entrevista em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente exibiu troca de mensagem com ex-auxiliar dois dias antes da demissão em que Moro tratou como “fofoca” uma notícia sobre investigação envolvendo deputados bolsonaristas. Aos jornalistas, Bolsonaro também acusou o ex-ministro de vazar informações do governo à imprensa.
“Entregava para a Globo as coisas há muito tempo. É um homem que tinha peças de relatórios parciais, de coisas que eu passava para ele. Entregar pra Globo isso? Isso é um crime federal, talvez incurso na Lei de Segurança Nacional”, afirmou o presidente, sem especificar a que se referia.
Bolsonaro voltou a negar as acusações: “Em nenhum momento pedi relatório de inquérito. Isso é mentira deslavada por parte dele. Mentira deslavada. Tenho até vergonha de falar isso daqui. Até ele diz que pedi numa reunião de ministros. Numa reunião de ministros a gente ia pedir algo ilegal?”, afirmou o presidente.
A conversa no WhatsApp exibida pelo presidente aos jornalistas mostra uma continuação das mensagens que o próprio ex-ministro já havia divulgado como prova de que Bolsonaro cobrava a troca de Valeixo.
Na parte divulgada no dia da demissão por Moro, Bolsonaro envia ao seu então ministro da Justiça um link de uma notícia do site O Antagonista sobre uma investigação envolvendo deputados bolsonaristas. Na sequência, escreve: “Mais um motivo para a troca”. Em seguida, Moro explica ao presidente que as diligências foram determinadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, no inquérito das fake news.
Na conversa exibida por Bolsonaro, horas depois da primeira troca de mensagens, Moro também comenta que a notícia trata-se de “fofoca”. “Isso eh fofoca. Tem um DPF [delegado da Polícia Federal] atuando por requisição no inquérito da fake news e que foi requisitado pelo Min Alexandre [ministro Alexandre de Mores, do STF]”, diz a primeira mensagem. “Não tem como negar o atendimento ah requisição”, completa Moro, segundo a mensagem exibida no celular de Bolsonaro.
Segundo o presidente, a mensagem configura que o então ministro tinha informações privilegiadas sobre o caso. “O Moro diz que isso é fofoca porque ele tem informações privilegiadas. Ele diz que esse inquérito que existe no Supremo não tem nome de deputado federal nenhum”, afirmou Bolsonaro.
A exemplo do que ocorreu quando falou a jornalistas pela manhã, o presidente se recusou a responder perguntas de jornalistas. Ele, no entanto, pediu desculpas por ter mandado repórteres “calarem a boca”.