Política

OPINIÃO: O canto do guerreiro

Diz o anexim: o homem para ser homem deve plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Conheci um homem nessa linha. Ele não plantou só uma árvore: semeou florestas através do plantio de árvores de vida, cujas sementes, lançadas em cada ser humano de milhares que passaram por sua imensa seara, acabaram por frutificar; e assim foi porque as sementes por ele lançadas na terra boa de sua seara, tal qual em Mc 4:8, deram frutos que vingaram e cresceram; e um produziu trinta, outro sessenta, e outro cem. Aí estão as centenas de juízes, promotores, advogados, cirurgiões dentistas, engenheiros, psicólogos, professores, mestres, doutores a resplandecerem em cada segmento profissional.

Esse homem não teve só os seus filhos biológicos, tem-nos a todos nós que compomos essa multidão de profissionais, nascidos das árvores semeadas, como seus filhos espirituais. Ele, esse mesmo homem, não escreveu somente um livro: edificou bibliotecas pelos rincões afora do Paraná e do Brasil. Só para pinçar algumas dessas bibliotecas, aí estão as de Paranavaí, Cianorte, Umuarama, Guaíra, Toledo, Cascavel e Francisco Beltrão.

É óbvio que estou a me referir ao doutor Cândido Garcia, o meu querido Dr. Candinho, amigo e mentor a quem tanto devo. Com ele caminhei, vivi e aprendi. Na minha concepção, a sua marca registrada sempre foi o seu sorriso indelével e o seu cantar, afinado e harmonioso, emoldurado por uma voz sonora e romântica. Gostava, e como gostava, de cantar. Reunia-se com os amigos, com os alunos, com os professores e, nessas reuniões, punha-se a cantar.

Mas nunca foi como as cigarras que só sabem cantar. Sempre foi, assim como as formigas da fábula de Esopo, um grande trabalhador, um lutador, um guerreiro.

Um dia, no ano de 1991, perguntou-me: “Bretas, o que acha de realizarmos uma semana jurídica de ciências penais, com os nomes mais em evidência da atualidade?”. Respondi-lhe: “Acho ótimo, a Faculdade de Direito de Umuarama já faz por merecer um evento desses.” Sem perder tempo ele emendou: “Então você será o coordenador. Pode tomar todas as providências!”. Pronto: de 14 a 18 de outubro de 1991 o sonho se realizou.

Os professores chegavam de avião em Maringá. Precisava buscá-los de carro. Falei para o Dr. Candinho: “Dr. Candinho, tenho que ir buscar esses homens em Maringá e o meu carro é um fiatinho 147, bem velho.” Ele não disse nada, apenas enfiou a mão no bolso e me deu um bonito chaveiro. Eu indaguei: “O que é isso?”. Aí ele falou: “É a chave do meu carro, pode ficar com ele desde já”. Era um belo Del Rey, top de linha, novinho. Fiquei com o carro daquele momento, uma semana antes, e só fui entregá-lo dias após o término da semana jurídica. Pode isso? Não me pediu o carro de volta, não me cobrou a devolução. Quando lhe devolvi o carro ele simplesmente perguntou: “Você não vai mais precisar dele?” Ali aprendi que os bens materiais são para servir ao homem e não o contrário. O Dr. Candinho era um homem assim, sem amarras às coisas materiais.

Todas essas relembranças só me servem para ver a imensidão desse homem na invocação de Bertolt Brecht: há homens que lutam um dia e são bons; Há outros que lutam um ano e são melhores; Há aqueles que lutam muitos anos e são muito bons; Porém, há os que lutam toda a vida. Esses são os imprescindíveis.

Dr. Candinho era um desses homens: Imprescindível! Deixa uma lacuna impreenchível! Tenho muita saudade dele. Saudade e gratidão. Ele me cativou. Na mescla com o poema de Gonçalves Dias: Aqui na floresta/Dos ventos batida,/Façanhas de bravos/Não geram escravos,/Que estimem a vida/ Sem guerra e lidar./Ouvi-me, Guerreiros./ Ouvi meu cantar./

Estimem a vida, ouvi meu cantar! Eis o canto do guerreiro!

José Bolivar Bretas é professor na Unipar câmpus de Cascavel e advogado criminal