Desnecessário aqui aprofundar qualquer pesquisa para constatar que a tributação tem papel de destaque na vida em sociedade, inclusive nas situações em que, havendo ou não contribuído para sua evolução, esteve presente na gênese, no encerramento ou na recuperação econômica de muitas guerras.
Direta ou indiretamente, a economia e a tributação sempre estiveram e sempre estarão no centro das guerras travadas pelas mais diversas nações e os ajustes econômico-fiscais sempre recaíram e recairão sobre os contribuintes, sendo que estes assumiram e assumirão maior ou menor peso dessa carga tributária em função de decisões políticas.
Apesar da potencial motivação religiosa, por certo o aspecto pragmático ligado às questões econômicas e financeiras envolvidas na conquista de territórios, recursos ou mercados sempre prevaleceu e sempre prevalecerá – pelo menos enquanto houver água potável suficiente e um meio-ambiente minimamente propício à sobrevivência da humanidade.
Vencedores e vencidos arcam com suas partes – resta-nos saber quem são eles ou se existe alguma matemática para nos ajudar a distribuir equitativamente o peso das atividades estatais entre os contribuintes sem que a maioria deles reclame a ponto de depor seus representantes ou que pretensas minorias donas do poder continuem a buscar achem seus arquiduques Francisco Ferdinando para turvar a visão ou amedrontar seus supostos súditos, na grande maioria preocupada apenas em sobreviver e consumir algum entretenimento.
Partindo do pressuposto que hoje todos somos contribuintes de uma Aldeia Global e que ações sociais e políticas podem ter inicio simultâneo, em escala global, para que as pessoas sejam guiadas por ideais comuns de uma “sociedade mundial”, escrevo aqui algumas tendências mundiais por mim verificadas no contexto do último Congresso da International Fiscal Association – IFA de Londres, realizado em setembro de 2019, que tangenciam os debates sobre a nossa Reforma Tributária doméstica e uma mais ampla, certamente abrangente da OCDE e demais blocos, grupos e organismos internacionais que o Brasil faz ou ainda fará parte.
No período e no local do Congresso IFA pude perceber não apenas as temáticas propostas pela OCDE, pela ONU e por especialistas de todo o mundo em tributação internacional ao debaterem sobre a dedutibilidade dos juros no contexto do BEPS, sobre a tributação dos fundos de investimento, sobre a preponderância sobre a substância em relação às formas, sobre a tributação indireta dos serviços financeiros e muitas outras temáticas relevantes, mas também os severos dilemas derivados da opção plebiscitária tomada pelos eleitores em 2016 de saída do Reino Unido da União Europeia – o Brexit, inclusive com a suspensão temporária das atividades legislativas pelo Primeiro Ministro Boris Johnson para que pudesse desenvolver o acordo de saída de maneira mais efetiva do que seus antecessores.
Assim como o conteúdo de todas as nossas propostas de reforma tributária, pareceu-me unânime a busca dos países, de especialistas e entidades pela simplificação dos sistemas tributários domésticos, bilaterais e multilaterais, em reforço à necessidade de maior segurança jurídica e menor custo de conformidade, com destaque ao papel da tributação na ponta do consumo nessa equação e da rediscussão dos princípios do Arm’s Length (“2.0”), dos instrumentos híbridos (como os juros sobre o capital próprio), dos fundos de investimento (com a dedutibilidade dos juros em xeque) e da implementação do BEPs em um mundo com ainda 5 trilhões de dólares aparentemente não declarados, apesar da tão propalada transparência.
Comparativamente, no âmbito internacional, por exemplo, um agravante a ser debatido está no ambiente delicado que pode representar o alívio ou o agravamento da crise brasileira, em decorrência de uma potencial atração ou fuga em massa de capitais e recursos humanos qualificados, caso haja aumento não apenas da criminalidade, mas especialmente da tributação brasileira, mas principalmente a desconfiança em relação ao futuro, já que o debate sobre a insegurança jurídica de qualquer proposta ganha muita relevância na medida em que sempre existirão listas e mais listas de “doutrinadores tributaristas” contrários à mudança do status quo.
Mark Mobius, presidente executivo da Templeton Emerging Market Group, com US$ 26 bilhões em carteira de investimentos globais, em matéria da repórter Érica Fraga, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, em 29 de maio de 2016, ou seja, há mais de três anos, mencionou o Brasil ter potencial para crescer de 5 a 6% ao ano em determinadas condições, especialmente com a reforma da Previdência. Atualmente, fala-se em um crescimento de até 10% ao ano com as reformas previdenciária e tributária.
Com a doutrina mundial sugerindo sistemas tributários mais eficientes e neutros sob o aspecto concorrencial e suficientemente robustos para arrecadação eficiente com o propósito de redução da pobreza e da corrupção, parece-me muito relevante o alinhamento dos debates da reforma tributária brasileira com o que hoje possa ser considerado um “sistema tributário 4.0” alinhado às regras da OCDE, muito mais leve, automatizado e, preferencialmente, livre de interpretações e erros humanos, do que a mera busca de holofotes que possam deixar sob a sombra o hercúleo esforço de combate à corrupção e a imperiosa redução da máquina pública e de seus caríssimos privilégios.
Se a escolha dos eleitores do Reino Unido foi pela saída de um bloco pesado e as reformas já implementadas em vários países foram justamente no sentido de redução da carga tributária sobre os lucros das empresas, reduzindo assim também o mecanismo de planejamentos tributários sofisticados que apenas os privilegiados têm acesso, é de se refletir também no Brasil qual caminho pretendemos trilhar se pretendemos um dia nos tornarmos uma verdadeira Nação alinhada com o que exista de mais eficiente na redução da pobreza e no combate à corrupção.
Monroe Fabrício Olsen é advogado da área Tributária e sócio do escritório Marins Bertoldi Advogados
Direta ou indiretamente, a economia e a tributação sempre estiveram e sempre estarão no centro das guerras travadas pelas mais diversas nações
Pareceu-me unânime a busca dos países, de especialistas e entidades pela simplificação dos sistemas tributários domésticos, bilaterais e multilaterais