
Brasil - Cascavel – R$ 187,1 bilhões. Esse é o tamanho do rombo encontrado nas contas da previdência rural em 2024, conforme auditoria realizada pelo TCU (Tribunal de Contas da União). Os gastos com benefícios previdenciários voltados a pequenos produtores rurais, pescadores artesanais, indígenas e trabalhadores da agricultura familiar alcançaram R$ 196,9 bilhões, diferença absurda se comparada ao total arrecadado com as contribuições, que somou apenas R$ 9,8 bilhões.
Em entrevista ao Jornal O Paraná, a advogada Andréia Aguilar, da Comissão de Direitos Previdenciários da subseção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Cascavel, aponta como um dos principais problemas a falta de orientação correta às pessoas, especialmente aos trabalhadores rurais, sobre a importância da arrecadação. “A Lei 8.213/91 determinou que o trabalhador rural deveria recolher o INSS, mas ainda não seria obrigatório o recolhimento para a concessão dos benefícios de natureza rural, bastando comprovar com documentos e testemunhas que trabalhou na lavoura. Passaria a ser obrigatório o recolhimento para essa classe de trabalhadores apenas anos depois”, explica. “Contudo, foram lançadas Medidas Provisórias que mantiveram o direito de o trabalhador rural continuar utilizando-se da mesma regra, ou seja, poderia se aposentar apenas comprovando a atividade, apresentando início de prova documental e testemunhas”.
“Sem contribuir”
Para a advogada, diante disso, culturalmente, a maioria dos trabalhadores rurais já tem em mente a ideia de que os benefícios previdenciários serão concedidos mesmo sem a respectiva contraprestação, ou seja, de que não é necessário fazer contribuições ao INSS para ter direito.
Ainda conforme a representante da Comissão de Direitos Previdenciários da OAB/Cascavel, muitos trabalhadores rurais com renda maior e condições de contribuir para o RGPS, efetuando o pagamento da guia GPS até mesmo no código de trabalhador rural, deixam de recolher convictos de que apenas com notas, alguns documentos e testemunhas conseguirão receber seus benefícios. “Isso gera indignação quando o benefício é negado porque a renda do grupo familiar é maior, ou de alguma forma o direito é recusado sob o argumento de que ele deveria ter recolhido o INSS para conseguir se aposentar ou receber qualquer outro benefício”. Embora a lei determine a contribuição do trabalhador rural há muito tempo, surgem “brechas” que permitem o reconhecimento de direitos sem essas contribuições. “Portanto, se a própria lei permite o reconhecimento dos direitos, obviamente, os benefícios devem ser concedidos e a conta realmente não fecha, visto que a concessão é muito maior que a arrecadação das contribuições”.
Sem informação
No entendimento da advogada Andréia Aguilar, falta orientação e política pública para permitir o aumento da arrecadação, pois muitos trabalhadores rurais que poderiam e até deveriam estar contribuindo para o INSS deixam de recolher pela ideia equivocada, difundida pelo senso comum, de que é possível receber o benefício sem contribuição.
Auditoria do TCU e a Previdência Rural
A auditoria comprova falhas graves na política de previdência rural. Prova disso é que apenas 22% dos requisitos avaliados foram plenamente atendidos, enquanto 78% tiveram cumprimento parcial, o que indica, segundo a Corte, fragilidades no entendimento das causas do problema e na identificação clara do público-alvo. Para especialistas, a ausência de dados dos segurados no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) dificulta a comprovação da atividade rural e abre espaço para irregularidades.
“Da mesma forma que seria importante uma política pública de orientação sobre a necessidade de recolhimento das contribuições para os segurados terem direito aos benefícios, acredito que há falhas que poderiam ser sanadas com instruções sobre os requisitos necessários para que alcancem o direito, permitindo maior assertividade no preenchimento das condições, até com possibilidade de inversão do percentual de erros e acertos”.
Política própria
Para evitar rombos como esse, a advogada Andréia Aguilar sugere a criação de uma política do próprio governo, vinculada à Autarquia Previdenciária e aos sindicatos rurais. O TCU também identificou o chamado “gap de sonegação”, que corresponde a valores não arrecadados por informalidade ou omissões fiscais, estimado entre R$ 1,2 bilhão e R$ 2,6 bilhões apenas em 2024.
Judicialização e Seus Impactos
Excesso de judicialização
O nível elevado de judicialização também chama a atenção. Em dezembro de 2024, 34,8% dos benefícios rurais foram concedidos por meio da Justiça, número significativamente maior que os 13,8% registrados nos casos urbanos. Essa dependência de decisões judiciais aumenta os custos e sobrecarrega o sistema.
Segundo a advogada, muitos benefícios são negados por simples intransigência e com justificativas contrárias à própria legislação. Por esse motivo, inúmeras negativas levadas à Justiça são revertidas com base na lei e nas provas apresentadas, passando pelo crivo do Judiciário, que reconhece direitos que já deveriam ter sido aceitos administrativamente. “Era muito comum, anos atrás, processos levados ao INSS sem o mínimo de documentos ou instrução para análise adequada, o que consequentemente era judicializado e seguia normalmente na Justiça”. Entretanto, há alguns anos, o Poder Judiciário está mais criterioso e não admite o prosseguimento de um processo sem requisitos mínimos na via administrativa. “Essa barreira já permite um agir mais correto dos próprios advogados ao fazer os requerimentos, o que tem auxiliado, e muito, a reduzir o uso do Judiciário como se fosse um ‘balcão do INSS’”.