
Foz do Iguaçu e Paraná - Foz do Iguaçu — A Cúpula do Mercosul, aberta na sexta-feira (19) em Foz do Iguaçu, marca o encerramento da presidência brasileira do bloco sob o signo de um fracasso diplomático relevante: o presidente Lula não conseguiu viabilizar a assinatura do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, aposta central do Planalto para coroar o protagonismo internacional do Brasil em 2025.
Tratado como prioridade política e simbólica ao longo do ano, o acordo não avançou no momento em que o Brasil comandava a agenda do Mercosul. O adiamento foi provocado por um pedido formal da França e da Itália à União Europeia, países que enfrentam forte pressão interna de agricultores contrários à abertura do mercado europeu a produtos agropecuários sul-americanos. Diante do impasse, o Conselho Europeu decidiu postergar a deliberação, inviabilizando qualquer assinatura durante a cúpula realizada em território brasileiro.
Mesmo com a tensão do “fracasso”, há espaço para “festa”. No final da tarde de sexta-feira Lula participou da cerimônia de abertura da Ponte da Integração Brasil–Paraguai, junto com ministros e outras autoridades do vizinho país.
Cúpula esvaziada
O revés teve efeito imediato. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, António Costa, cancelaram a viagem a Foz do Iguaçu, esvaziando o principal objetivo político do encontro. Para o governo Lula, que trabalhou nos bastidores com a expectativa de anunciar o acordo após mais de 25 anos de negociações, a ausência dos líderes europeus simboliza o esgotamento de uma estratégia que apostava mais no capital político do presidente do que na superação concreta das resistências internas da União Europeia.
Apesar das reiteradas declarações otimistas do Planalto, a oposição europeia se consolidou nos dias que antecederam a cúpula. Além da resistência histórica da França e da Polônia, a Itália passou a integrar formalmente o grupo contrário à assinatura imediata. Na quarta-feira (17), a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, afirmou ao Parlamento que seria “prematuro” fechar o acordo sem garantias adicionais de reciprocidade, sobretudo para proteger agricultores europeus. A declaração foi decisiva para sepultar qualquer possibilidade de anúncio durante a presidência brasileira do Mercosul.
Mais críticas
O próprio Lula acabou reconhecendo a fragilidade da posição brasileira. Em entrevista coletiva, admitiu que o texto negociado é mais favorável à União Europeia do que aos países sul-americanos, mas defendeu a assinatura mesmo assim, sob o argumento de que o acordo teria valor político e estratégico para o multilateralismo. A confissão, longe de fortalecer a posição do Brasil, reforçou críticas de que o governo aceitaria um tratado desequilibrado apenas para obter um triunfo diplomático que, no fim, não veio.
Na tentativa de justificar o novo adiamento, o Planalto informou que Giorgia Meloni pediu “paciência” ao Brasil e aos parceiros do Mercosul, acenando com a possibilidade de assinatura apenas em janeiro de 2026. Ou seja, fora do período de presidência brasileira do bloco. Ainda assim, o Mercosul aceitou aguardar, numa demonstração de assimetria política que expõe os limites da influência do Brasil nas negociações.
Descompasso
Para analistas e diplomatas, o desfecho da cúpula expõe um descompasso entre o discurso e a capacidade de entrega do governo Lula no cenário internacional. Ao fim de sua presidência no Mercosul, o Brasil deixa a liderança do bloco sem a assinatura do acordo que prometeu destravar, acumulando mais uma frustração em uma negociação que se arrasta há décadas. Em Foz do Iguaçu, o saldo é claro: muitas declarações, poucos avanços concretos e um acordo que, mais uma vez, ficou para depois.
Transição para o Paraguai
A Cúpula de Líderes, marcada para este sábado (20), contará com a presença dos presidentes Javier Milei (Argentina), Santiago Peña (Paraguai), Yamandú Orsi (Uruguai) e José Raúl Mulino (Panamá), como Estado associado. A Bolívia será a única ausência. O encontro também marca a transição da presidência do Mercosul do Brasil para o Paraguai, encerrando um ciclo sem o principal resultado prometido por Lula.
O governo brasileiro tenta minimizar o fracasso destacando outras frentes abertas durante sua gestão, como negociações avançadas com os Emirados Árabes Unidos, a retomada dos diálogos técnicos com o Canadá e conversas iniciais com Japão e outras economias. No entanto, nenhum desses movimentos possui o peso político, econômico e simbólico do acordo com a União Europeia, que criaria uma das maiores zonas de livre comércio do mundo, reunindo cerca de 722 milhões de consumidores e um PIB combinado de aproximadamente US$ 22 trilhões.