À medida em que se compreendeu a finitude entre o nascer e o morrer, o indivíduo buscou a criação de legados que lhe tragam a noção de durabilidade e perenidade no mundo, este imparável. Fazer obras é um caminho confiável nesse sentido, porém, a nível de espécie, a perpetuação se dá em âmbito biológico: transmissão de DNA. O indivíduo mantém-se vivo em sua prole.
Por milênios, portanto, o instinto guiou a criação de novos indivíduos, muitas vezes “adultecidos”, por serem vistos como humanos em miniatura. Os aspectos emocionais e cognitivos destes não foram alvo de preocupação, até porque a compreensão da psiquê, em nível acadêmico, é relativamente recente. Portanto, a definição das relações de forma hierarquização evidentemente resguardou a criança para a posição de subalternidade e imposição de poder, sob o título de educação.
Nas últimas décadas, contudo, os desenvolvimentos legais de proteção das minorias, em face do pleno desenvolvimento da personalidade, garantiram a revolução copernicana sobre o poder dentro do âmbito familiar. Afeto passa a ser responsabilidade com a dignidade dos demais membros da família, especialmente dos mais vulneráveis.
Os pais, em relação aos filhos menores, deixam de ter poderes absolutos, para receberem uma gama de responsabilidades atrelada à autoridade parental. Inúmeros, portanto, são os deveres decorrentes do chamado “poder familiar” e restringem-se os abusos de poder camuflados de criação. Exemplo disso está na conhecida “Lei da Palmada” que impede a educação com violência. Apesar das críticas inflamadas sobre essa legislação, certo é que os avanços científicos demonstram a profunda diferença cognitiva entre adultos e crianças, de modo que não se pode tratar criança como mini adulto.
Parece claro que violência de gênero deva ser punida, maus-tratos a idosos ou pessoas com deficiência também; até mesmo os animais de estimação detém sua integridade guarnecida pela legislação. Porém, as crianças e adolescentes, em grande medida, restam ao desamparo, sob o argumento de correção de vícios. As capacidades racionais começam o seu desenvolvimento por volta dos 6 anos e estão em plenitude aos 25. Não é possível, assim, ter uma discussão racional com uma criança de 3 anos, porque esta quer tomar café da manhã na banheira, por exemplo.
As crianças moldadas pela violência são os atuais adultos traumatizados, que repassam o ciclo de violência, sem qualquer reflexão, cobrando atitude de crianças e adolescentes, mas justificando erros crassos de adultos, por aspectos morais ou sociais. A inversão de valores se agrava com o avanço da sociedade tecnológica, quando a babá pode ser a Alexa ou qualquer dispositivo eletrônico, pois os pais assoberbados pelo ritmo massacrante de trabalho e sem rede de apoio, recorrem a métodos nada benéficos para manter a criança sentada, ainda que sua melhor definição esteja em “movimento”.
A autoridade parental não deixou de existir e não se prega o “reinado da criança”, todavia é imperioso compreender que a responsabilidade da relação e da educação está com os pais, por obrigação legal. O Estado não pode obrigar uma cartilha de método de educação/criação, mas pode e deve resguardar os direitos fundamentais dos menores, impedindo qualquer mecanismo de violência. Tendo como norte a dignidade desses seres em desenvolvimento de sua psiquê, nada mais justo que se leve em consideração o ritmo neural. Uma pausa para uma brincadeira lúdica, uma refeição temperada com amor e um acolhimento da birra, reconhecendo sentimentos, terão os mais altos efeitos em exemplo de retidão. Mais que isso, garantirão a eternidade de momentos inesquecíveis ao lado de quem se ama.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária advogada e mestre em Ciências Jurídicas