Quando um casal se une em uma relação estável, o casal parte, em geral, do pressuposto de que esta relação será pelo resto da vida. E é bom que seja com este sentimento que iniciamos um relacionamento. Com efeito, se um casal firmasse um contrato de união estável por um prazo determinado, o casal estaria tratando sua relação como um “contrato de negócios”: a aquisição de um “bem de uso” recíproco com prazo pré-estipulado de validade. Uma relação fundada sobre estas bases seria incapaz de gerar o vínculo necessário para nutri-la. Assim como qualquer “bem de uso”, também a relação se desgasta. Quando entramos nela com essa perspectiva, o lógico é abandoná-la.
No entanto, apesar de o casal unir-se na expectativa de ser por toda a vida, podem surgir eventos no decurso da relação que levam o casal a ter de reavaliar a união. Trata-se de momentos difíceis de crise e de conflito. Quando chegam esses momentos, o diálogo sobre os problemas enfrentados pelo casal costuma ficar distante de uma conversa amistosa, cordial e respeitosa. O mais comum é que, em vez disso, transcorra na forma de discussões, brigas, ofensas, recriminações e acusações. Quando o casal entra nesse quadro é compreensível que não consiga ver o belo e o bom sonhado no início da união e vivido em muitos momentos durante a relação. Em lugar disso, o casal costuma ver unicamente o ruim e o penoso, e se pergunta: “Alguma vez houve algo bom? Como pude estar tão cego/a!?”.
Em semelhante quadro, a dinâmica mais comum entre os casais é a da busca pelas culpas (isto é, das causas ou motivos) e pelo culpado (o responsável) pela crise. É o momento em que a relação como um todo é revirada, com obrigatórios “pontos de parada” nos eventos nos quais cada parte quer ver o motivo de a relação ter chegado ao ponto em que chegou. E não faz diferença se a relação tem menos de 3 ou mais de 30 anos: a “escavação” da culpa da crise sempre chega até o dia do primeiro encontro! Obviamente: a parte que identifica o evento que considera causador da crise do relacionamento sempre é a inocente! O evento “prova” para ela que o culpado é a outra parte!
Hellinger faz um comentário interessante sobre essa dinâmica de busca pela identificação das culpas e do culpado. Segundo Bert, “a pessoa que tenta determinar a culpa tem a imagem ou a ilusão de poder fazer algo, ou seja, de que ele mesmo ou seu parceiro simplesmente deveriam mudar seu comportamento e tudo se resolveria. Em vez de dar-se conta do alcance e da profundidade da situação, a atenção fica centrada nas supostas culpas e reprovações recíprocas. A solução consiste em que ambos se entreguem à sua dor, a essa aflição profunda pela qual passam” (Hellinger, B. Felicidad Dual, p. 162).
Hellinger nos alerta de que querer encontrar os motivos da separação parte da suposição de que “se” o casal tivesse sabido o que os levou à situação teria sido possível evitar a separação. É a atitude presunçosa de quem pensa ser possível controlar o destino. Quando, ao invés disso, “renuncio a procurar o motivo, sou obrigado a me submeter a um destino que não compreendo. Se faço isso, tenho uma outra possibilidade de me expor à separação, e também de me expor ao parceiro, do qual me separo. Aí não existem mais discussões. Reconhece-se: aconteceu algo e não está em meu poder mudar isso. Quando houve uma culpa que levou à separação, o que levou à culpa também não está em nosso poder. Então se acabam essas diferenciações e isso promove a paz” (Hellinger, B. A fonte não precisa perguntar pelo caminho, p.106).
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JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.