Cotidiano

Arrecadação de sindicatos cai 80% após a reforma

UGT denuncia que dinheiro do trabalhador está sendo usado para subsidiar patronato

Cascavel – Em vigor há nove meses, a Reforma Trabalhista, que se transformou na Lei 13.467, causou um grave desequilíbrio financeiro nos sindicatos porque pôs fim à chamada contribuição sindical compulsória. São poucos os que já fecharam as portas, mas os “sobreviventes” tiveram de cortar drasticamente as despesas. A queda na arrecadação chega a 80%.

Mas um decreto (9.274) assinado pelo presidente Michel Temer em fevereiro subverteu a legislação e ajudou os sindicatos patronais a se manterem. Detalhe: agora às custas do trabalhador.

Segundo o sindicato dos trabalhadores, o decreto mantém alternativa de financiamento das entidades patronais retirando recursos do chamado “Sistema S”. Ficou obrigatório então reservar até 5% do orçamento para o financiamento da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e outros 5% para as federações estaduais, no caso do Paraná o Sistema Faep.

A Faep (Federação da Agricultura do Estado do Paraná) foi procurada pela reportagem, mas em nota disse que não iria se pronunciar sobre o assunto. De fato, até mesmo dentro da federação a reportagem apurou que a questão não é tratada abertamente.

Reforçando então: o setor ligado à agricultura e à pecuária não é o único a usar recursos do chamado Sistema S para custear despesas de entidades que representam os patrões.

Por outro lado, instituições que representam os trabalhadores reforçam que o percentual vem sendo retirado do montante que deveria ter como destino a qualificação dos trabalhadores, nesse caso específico os rurais.

Em abril passado, a comissão de transparência no Senado tentou trazer o assunto à tona em uma audiência pública pedindo mais transparência ao uso do dinheiro do Sistema S, mas o assunto não prosperou.

Queda drástica

Na outra ponta, o fim da contribuição sindical compulsória, aquela em que o trabalhador tinha obrigatoriamente um dia de trabalho descontado do salário todo ano, cujos valores arrecadados eram destinados à manutenção da organização e da estrutura sindical, como sindicatos, federações, confederações e centrais em defesa da classe trabalhadora, deixou os sindicatos do Paraná em maus lençóis.

Como a contribuição agora passou a ser facultativa, o presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Paulo Rossi, afirma que somente na central, onde estão pelo menos 200 sindicados que representam mais de 700 mil trabalhadores por todo o Estado, sendo assim a maior central do Estado e a segunda maior do País, a arrecadação das entidades caiu em torno de 80%. “Fechamento de sindicados não houve, mas 98% deles tiveram de se readequar, cortar despesas, houve muitas demissões, em torno de 30% até 60% dos quadros, revisões de contratos de assessoria (…) Também temos notado um forte movimento de sindicatos que deverão se fundir para diminuir as despesas e se readequar às novas regras”, revela.

“Os sindicatos estão se adaptando às novas realidades e estão em busca de novos associados, oferecendo um atendimento mais próximo da base dos seus trabalhadores, mas o fim da contribuição compulsória dos trabalhadores não afetou o chamado Sistema S, que representa o setor patronal. É o dinheiro que deveria ser investido no trabalhador, em capacitação, que agora está sendo usado para manter as entidades patronais”, crítica Rossi, ao destacar que as entidades patronais teriam registrado queda de 30% na arrecadação.

Para o presidente da UGT, o Congresso Nacional “foi omisso em não tornar facultativo o repasse de dinheiro do Sistema S às entidades patronais”. “Por isso a UGT começou uma campanha de forma que a nova legislatura torne facultativo o repasse do Sistema S de modo que se possa manter então uma paridade”, seguiu.

“Do lado de cá viveremos nos próximos três ou quatro anos muitas fusões de sindicatos dos trabalhadores. Será a alternativa para não fecharem as portas”, destacou, ao reforçar que a UGT é favorável à permanência das instituições que de fato defendam o interesse dos trabalhadores.

Recorrer à Justiça

Em fevereiro, quando o Decreto 9.274 foi publicado, a Força Sindical se posicionou contrária à medida e pediu ao presidente Michel Temer a revogação. Em nota enviada à imprensa na época, a Força Sindical alertou que exigia que o presidente revogasse imediatamente o decreto que autorizava a transferência de recursos do Senar para a CNA, assim como defendia alterações na legislação que possibilita a transferência milionária de recursos do chamado Sistema S para as respectivas confederações patronais, “como forma de garantir o tratamento isonômico e equilibrado ao capital e ao trabalho, questão fundamental para a existência de relações de trabalho democráticas e justas".

A nota seguiu ainda que o “decreto garantindo a remessa de milhões de reais para o setor patronal vinha no exato momento em que o custeio das entidades sindicais dos trabalhadores era inviabilizado pela Reforma Trabalhista e por decisões judiciais do STF".

O presidente Temer não revogou a medida.

Fiep admite usar verba do sistema S para bancar despesas

O vice-presidente da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), o economista Biratã Higino Almeida Giacomoni, destaca que o sistema sindical no setor industrial empresarial, dando como exemplo o segmento em que ele atua mas que poderia ser estendido à realidade das 60 mil indústrias filiadas à federação, vive os mesmos dramas, tal qual os sindicatos dos trabalhadores.

Segundo ele, o sindicato patronal da sua categoria têm convenções vencidas desde 1º de junho, sem avanço nas discussões. “Todos estão em busca de sustentabilidade”, afirmou, no sentido financeiro da palavra. “O sindicato é um instrumento evidentemente de desenvolvimento da sociedade. Todos estão caminhando em busca de aumentar seus sócios e melhorar a mensalidade, que hoje varia de R$ 50 a R$ 2 mil, dependendo do capital social e do tamanho da empresa. O caminho para o futuro será a fusão dos sindicatos patronais e a criatividade para garantir a sustentabilidade econômica”, continuou.

Giacomoni reconhece o uso de recursos do Sistema S para custear a Fiep, como pagamento de folha e outras despesas, e argumenta que mais de 70% dos filiados aos sindicatos que representam o setor patronal também estão inadimplentes. “Isso é uma coisa que existe, de se recorrer ao Sistema S porque ele é uma ‘mãe’ e não uma madrasta. Como exemplo, a minoria dos sindicatos não tem sede própria e o recolhimento dos sindicatos patronais ocorre pelo capital social da empresa. Por outro lado, o empresário não busca tanto o sindicato quanto o trabalhador. Geralmente, ele tem seu jurídico e serviços na própria empresa, então ele depende menos do sindicato. Os sindicatos dos trabalhadores têm um número mais elevado de sindicalizados que mantêm a estrutura, e os patronais são menores”, seguiu.

Para Giacomoni, o caminho a ser seguido será o da reinvenção e ela não pode mais esperar: “Precisamos buscar alternativas”.

CUT diz que sempre defendeu contribuição espontânea

Para o secretário-geral da CUT (Central Única dos Trabalhadores) no Paraná, Márcio Kieller, o fim da obrigatoriedade da contribuição compulsória gerou um impacto na vida ordinária dos sindicatos ligados à central. “Mas nós, da CUT, temos uma compreensão estatutária, somos contra o imposto sindical da forma como era cobrado, de forma obrigatória, sem questionar o trabalhador se ele queria ou não colocar o dinheiro na mão dos sindicatos. Achamos que o financiamento é fundamental e necessário, mas precisa ser fruto da categoria, de forma voluntária, que cada um banque seu sindicato, porém entendemos que muitos sindicatos dependem do imposto e estão sofrendo com essa mudança”, explica.

A CUT no Paraná representa hoje 605 mil trabalhadores e aparece como a segunda maior central do Estado, englobando 172 entidades por todo o Paraná. Somado à UGT, são mais de 1,3 milhão de trabalhadores representados.

Em 2003, no Fórum Nacional do Trabalho construído por sindicalistas, pelo setor empresarial e pelo governo, o assunto do imposto sindical ficou bastante evidente e a CUT defendeu que a composição e a cobrança não poderiam ser arbitrárias. “Sempre defendemos a criação de um instrumento acordado com os trabalhadores. Quem opta por estar sindicalizado deve ser o trabalhador. Muitos sindicatos da nossa base já faziam a devolução da contribuição compulsória [do percentual que era destinado ao sindicato] aos trabalhadores sindicalizados”, denuncia.

O secretário-geral da Central reforça ainda que desde 2009, com o reconhecimento efetivo das centrais no País, a defesa era da utilização das verbas vindas do imposto sindical somente para a organização e a formação sindical.

A redução na arrecadação também não fechou sindicatos filiados à CUT no Estado, mas a readequação e a reorganização financeira foram unânimes e indispensáveis em praticamente todas as unidades.

Como a contribuição é dividida

Vale destacar que a Reforma Trabalhista não pôs fim à contribuição sindical, mas com a nova lei que vigora desde novembro do ano passado ela passa a ser voluntária. O trabalhador que deseja seguir com a contribuição deverá informar ao recursos humanos da empresas de modo que um dia de trabalho por ano continuará sendo descontado em folha. Vale destacar ainda que nem todo o valor descontado segue para o sindicato.

Ele era e segue sendo distribuído da seguinte forma: Para os trabalhadores:5% para a confederação correspondente; 10% para a central sindical; 15% para a federação; 60% para o sindicato respectivo e 10% para a Conta Especial Emprego e Salário.

Para os empregadores: 5% para a confederação correspondente; 15% para a federação; 60% para o sindicato respectivo e
20% para a Conta Especial Emprego e Salário.

Cresce arrecadação do Sistema S

Na contramão da crise sindical, o Sistema S conseguiu arrecadar mais dinheiro em 2018: foi um crescimento de 8% na parcial do primeiro quadrimestre. Em 2017, a receita total do Sistema S foi seis vezes maior que a dos sindicatos, incluindo as entidades patronais. As informações são da Gazeta do Povo.

Durante o ano passado inteiro, sindicatos (patronais e laborais), federações e centrais arrecadaram juntas R$ 2,7 bilhões – desse valor, R$ 2,1 bilhões chegaram até abril, graças ao imposto sindical. Depois que a cobrança deixou de ser obrigatória, a fonte de recursos dos sindicatos secou. Nos quatro primeiros meses de 2018, a contribuição sindical recebida pelas entidades foi de R$ 289,9 milhões – recuo de 86%.

A situação é ainda mais curiosa porque a queda na arrecadação chegou para todo o mundo, mas foi mais sentida pelos sindicatos de empregados em comparação ao de empregadores. Em 2017, até abril, os sindicatos de empregados tinham arrecadado R$ 1,1 bilhão contra R$ 521,3 milhões das entidades que representam os empregadores. No acumulado do ano, a arrecadação havia sido 2,5 vezes maior em favor das entidades patronais.

Em 2018, a situação se inverteu: os sindicatos dos empregadores arrecadaram 33% mais que as entidades que representam os trabalhadores – são R$ 137 milhões contra R$ 102,4 milhões.