Disputas Tributárias

Disputas tributárias no Brasil passam de R$ 5 trilhões; 75% do PIB

Disputas tributárias no Brasil passam de R$ 5 trilhões; 75% do PIB

Quando uma empresa tem dúvidas se deveria pagar um tributo ou acredita que a cobrança está incorreta, esse questionamento pode ser levado à Justiça. O chamado contencioso tributário consome boa parte dos recursos de empresas e do sistema de Justiça em disputas sobre o pagamento correto de impostos. 

Uma mesma empresa que atua em vários países, entre eles o Brasil, gasta 17 vezes mais aqui com disputas tributárias. O contencioso tributário aqui equivale a 57% do faturamento anual, enquanto em outros países o percentual é de apenas 3,3%. É o que mostra uma pesquisa publicada pelo Insper e pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 2022. Outro relatório elaborado pelo Insper em 2020, estimou em R$ 5,4 trilhões o contencioso tributário brasileiro referente ao ano de 2019, o que equivale a 75% do PIB (Produto Interno Bruto) do país do mesmo ano.

Uma das hipóteses para o tamanho do problema no país é a complexidade do atual sistema tributário, que dá margem a dúvidas e pode induzir a erros na cobrança de tributos. O advogado especialista em Direito Tributário pelo IBET, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB, Ranieri Genari, acredita que a reforma tributária pode ajudar a resolver o problema.

“Se nós formos considerar que a reforma vai simplificar o ambiente tributário, unificando primordialmente os cinco tributos, nós sim podemos dizer que haverá uma diminuição do contencioso, porque nós estamos falando de um único fato gerador para todos os tributos, onde uma única lei vai disciplinar todas as particularidades desse novo tributo, não mais de tantas espécies tributárias”, explica.

Simplificar para reduzir

O deputado federal Augusto Coutinho (Republicanos-PE) participou do grupo que discutiu a regulamentação da reforma na Câmara e defende os benefícios da simplificação para reduzir o contencioso tributário.  “Tem empresa cervejeira, não vou citar o nome, porque não me cabe, mas que tem um contencioso com o governo federal de R$ 80 bilhões. Tem empresa de refrigerante, que tem um contencioso de R$ 70 bilhões. O que é contencioso? É a questão jurídica. Imagina o custo de advogado… Então, você vai acabar com tudo isso, de uma forma simples e fácil, como as nações desenvolvidas no mundo fazem.”

Regulamentação

A reforma tributária aprovada no final do ano passado (EC 132/2023) depende da regulamentação de seus dispositivos para esclarecer como vai funcionar na prática. Existem dois projetos de lei complementar (PLP) em discussão no Congresso Nacional para definir esses detalhes.

O PLP 68/2024 foi aprovado no último dia 10 na Câmara dos Deputados e agora segue para o Senado. Após discussões do Grupo de Trabalho sobre a Regulamentação da Reforma Tributária, foram definidas as regras para a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e o Imposto Seletivo.

O advogado Ranieri Genari explica a importância da regulamentação. “Em nosso entender, quanto mais a legislação for clara e objetiva em relação aos seus fatos geradores, em relação às suas hipóteses de incidência e como vai ocorrer essa tributação, seja tributando em 100%, seja por redução, seja por isenção ou alíquota zero, menos esse contencioso tende a aumentar, porque toda legislação que é feita de forma açodada e com muitas dúvidas, cujo texto não é tão claro, isso impacta no maior contencioso tributário para esclarecimento de dúvidas dos contribuintes.”

O PLP 108/2024 vai definir as regras do Comitê Gestor do IBS e ainda aguarda votação na Câmara dos Deputados.

Regulamentação não traz isonomia entre importação e compra de bens

O PLP 68/2024 que regulamenta a reforma tributária suspende a incidência da CBS e do IBS sobre a compra de insumos e matérias-primas, no âmbito dos regimes aduaneiros especiais.  Esses regimes recebem esse nome porque não seguem a regra geral de aplicação de impostos na importação ou exportação de bens. Eles podem estar relacionados ao armazenamento, transporte, permanência temporária e aperfeiçoamento de mercadorias em solo nacional.

É o caso, por exemplo, do drawback, regime aduaneiro especial de aperfeiçoamento que reduz, suspende ou isenta de tributos federais as compras de insumos por empresas brasileiras que produzem itens para o mercado internacional. É uma forma de desonerar a produção dessas empresas e torná-las mais competitivas lá fora.

O problema do texto, segundo o setor produtivo, em especial a indústria, é que ele não trata com isonomia as importações e as compras feitas no mercado interno. Enquanto o PLP suspende a CBS e o IBS incidentes nas importações de insumos e matérias-primas, independentemente do regime aduaneiro especial, o texto não garante o mesmo tratamento para as aquisições feitas no mercado nacional.

É o que explica Armando Monteiro, presidente do Conselho Temático para Assuntos Tributários e Fiscais da CNI (Confederação Nacional da Indústria). “A tese é esta: para os regimes aduaneiros especiais, sejam eles quais forem, os insumos e matérias-primas comprados no mercado doméstico devem ter o mesmo benefício da suspensão tributária que é garantido aos insumos e matérias-primas importados”, aponta.

A preocupação da indústria é que, se não houver suspensão de tributos para as compras feitas no mercado interno, as empresas vão privilegiar as importações, pois essas contam com a suspensão.

“Dois pesos”

O texto prevê isenção de CBS e IBS sobre a importação de bens pelos regimes aduaneiros especiais de trânsito, de depósito, de permanência temporária e mesmo de aperfeiçoamento.  Mas quando o assunto é a compra de bens no mercado nacional, o projeto não menciona possibilidade de desoneração para todas as modalidades.

As exceções são os regimes de depósito, no qual as aquisições de insumos e matérias-primas, no mercado interno, pelas lojas francas, terão a tributação suspensa; e o do setor de óleo e gás (Repetro), pelo qual algumas operações terão tratamento isonômico tributário entre importação e mercado nacional.

Já para os regimes de aperfeiçoamento, como é o caso do drawback, o texto apenas torna facultativa a suspensão de tributos para as compras de bens no mercado nacional, enquanto assegura a suspensão para as importações.