Cascavel – O mercado de grãos brasileiro vive um momento atípico, com elevadas cotações históricas, estimuladas pela demanda mundial e pela alta do dólar. A saca do milho bateu R$ 70 e a da soja, R$ 170, valores nunca vistos antes. Mas, se para o setor de grãos o cenário é extremamente favorável, a situação põe em risco toda a cadeia produtiva de carnes, especialmente de frango e suínos. Isso porque os dois grãos são os principais insumos para a ração animal, elevando o custo de produção e comprometendo a atividade. “O setor está numa pressão do custo muito alta e muita dificuldade de repassar isso ao produto final. Mas essa conta fatalmente vai chegar ao consumidor final”, alerta o vice-presidente do Sindiavipar (Sindicato das Indústrias de Produtos Avícolas do Estado do Paraná), José Antonio Ribas Junior.
“Desde o início do ano, estamos falando de aumento de 80, 90%, 100% do preço [do milho]. De R$ 35 passou para R$ 65, R$ 70 a saca no Sul do Brasil. A soja, que se pagava R$ 900 a tonelada, estamos falando agora de R$ 2.300 a R$ 2.500 a tonelada”, compara.
Dentro da cadeia de produção de aves e suínos, considerando que representam de 55 a 80% dos insumos da ração, conforme a fase do animal, “estamos falando que esses animais estão custando de 28 a 30% mais caro que no início do ano. Isso impacta de maneira significativa na cadeia”.
Ele explica que, como o custo do animal vivo representa de 52 a 55% do total do custo do produto que está na gôndola do mercado – o restante é do processo de abate e industrialização -, o impacto é de 15 a 20% do custo final do produto.
Soluções
O setor busca maneiras imediatas de mitigar os efeitos na cadeia de produção. Segundo Ribas Junior, muitos frigoríficos estão tentando negociar os contratos de insumos para tentar segurar um pouco mais esse impacto nos preços, mas reconhece que boa parte não tem força para isso.
Na última sexta-feira, o governo federal zerou a taxa de importação do milho de fora do Mercosul. Embora a taxa zerada fosse de 8%, ainda assim será possível conseguir grãos mais em conta que a cotação local, já que os Estados Unidos estão com dificuldade de pôr o milho deles na China e o Brasil se tornou importante válvula de escape para seus estoques.
O vice-presidente do Sindiavipar enaltece o comprometimento da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em buscar soluções. “Nunca tivemos uma ministra com tanto conhecimento e boa vontade”, frisa, mas observa que a situação extrapola a pasta dela, pois envolve Ministério da Fazenda e a diplomacia.
Com uma “competência diplomática frágil”, ele observa que o Brasil tem dificuldades para sentar na mesa de igual para igual com os outros países e proteger sua indústria interna. “O ideal é, de maneira muito simples, que, qualquer um de fora que venha comprar, que pague mais caro, que tivesse sobretaxa [sobre os grãos].
Primeiro, para que não fique um custo exorbitante para o mercado interno. Segundo, todo o milho exportado vai virar frango e suíno fora daqui e vai competir conosco”, exemplifica, e resume: “Estamos dando condições ao concorrente quase idênticas à interna”.
“Hoje é fácil extorquir da nossa produção porque somos desorganizados internamente. Que pelo menos tiremos as vantagens competitivas ao concorrente estrangeiro”, acrescenta.
Ele destaca que o setor já está ampliando a compra de milho do Paraguai e da Argentina, mas que esbarra nas dificuldades de fronteira, pois é muito lenta a liberação das cargas. “É um tema que estamos tratando com o governo do Paraná. O governador [Ratinho Junior] e o secretário de Agricultura [Norberto Ortigara] são muito parceiros em ajudar, tenho certeza de que será resolvido”.
Segundo ele, a estratégia é conseguir liberar um volume maior e mais rápido. Esse produto chegará aqui de 10 a 20% mais barato do que está sendo pago hoje. “Para ver que a cotação é bem exacerbada. É uma frente de curtíssimo prazo que vai acontecer. Os governos estão facilitando esse trânsito”.
Além disso, a importação do milho americano pode ajudar uma retenção especulativa dos preços. “E o restante tem que ser essa estratégia junto ao governo para que tenhamos ações efetivas para não prejudicar o setor de carnes”.
Segurança alimentar
A decisão de proteger a indústria interna tem uma lógica muito fácil de se entender. Se exportar uma tonelada de frango ou suíno, a receita será sete vezes a de se exportar milho ou soja em grãos. “O Brasil precisa pensar melhor esse tema. Ao longo dos últimos dez anos, o País construiu ferrovias para exportar grãos. Temos que batalhar para agregar valor dentro do País”, acrescenta.
Ribas Junior faz questão de destacar que o objetivo não é penalizar o setor de grãos, mas que se trata de uma questão de planejamento estratégico, até de segurança alimentar: “Não queremos penalizar o produtor de soja e milho, pois é importante na estrutura do País. Mas é mais inteligente que o cara de fora não pague 70, mas pague 100. Que se cobre taxas para que não seja uma competição igual. O Brasil precisa de planejamento estratégico. É uma discussão de economia nacional, uma questão de segurança alimentar priorizar que o brasileiro tenha condição de ter acesso a proteína animal”.
Nova crise à vista
O vice-presidente do Sindiavipar, José Antonio Ribas Junior, diz que já há relatos de frigoríficos que pretendem alojar menos, pois preveem dezembro e janeiro extremamente difíceis. “Já ouvimos empresas falando em redução de alojamentos, olhando para os meses de dezembro e janeiro com bastante dificuldade, pois será um frango que vai consumir milho a R$ 70 [a saca]. Essas empresas que priorizam o mercado interno vão reduzir o alojamento, o que pressiona ainda mais o preço ao consumidor”.
Segundo ele, o setor pode viver uma crise igual à do início da década passada, quando muitas indústrias de carne quebraram, fecharam ou foram vendidas. “Penso que viveremos nova crise igual à de 2012. Olha para a população em geral, muitas pessoas afetadas pela pandemia, tiveram queda na renda… Se subir o preço de alimentos, vai ter menos gente comprando e vai ter menos venda. As empresas não conseguem sobreviver com uma margem tão pequena”. E alerta: “Quando uma empresa quebra, leva produtor, cidades… Uma agroindústria muitas vezes representa 60 a 70% do faturamento de um município. É um risco muito grande. O agronegócio brasileiro foi o maior gerador de empregos durante a pandemia, e agora vão penalizar todo o setor”.