Cotidiano

'Ponto zero' estreia no Rio com improviso e olhar adolescente

RIO – Durante as gravações de ?Ponto zero?, que estreia no Rio nesta quinta, José Pedro
Goulart testemunhou o imprevisível desenrolar diante de si. No set de filmagem,
ele propositalmente optou por uma dinâmica que incentivou a improvisação. O
realismo extraído das atuações pode ser a explicação para o que observou tempos
depois, quando realizou sessões exclusivas em escolas: o retorno dos
adolescentes foi tocante, muitos deles sensibilizados com o personagem principal
? Ênio ((Sandro Aliprandini), um garoto de 14 anos que enfrenta um turbilhão de
emoções típicas desta fase da vida.

Os sentimentos confusos de Ênio são desencadeados por conflitos com amigos da
escola e pela relação problemática com o pai (Eucir de Souza), um radialista
ríspido e ausente com o próprio filho e com a mãe (Patrícia Selonk) do menino.
Ela, uma dona de casa manipuladora, desconfia que o marido está tendo um caso
com outra mulher.

Codiretor, ao lado de Jorge Furtado, do curta ?O dia em que Dorival encarou a
guarda? (1986), Goulart tentou criar em ?Ponto zero? uma atmosfera familiar
densa. Para isso, a tal dinâmica de improvisação foi extrema: o diretor proibia
que os atores lessem o roteiro com antecedência, orientando-os a reagir de forma
natural às situações que lhes eram impostas.

? Minha estratégia foi arriscada, mas acredito que tenha sido bem-sucedida. A
intenção foi fazer com que os atores entendessem os personagens e vivenciassem
os seus sentimentos ? diz o cineasta. ? O resultado é quase um documentário
ficcional.

SILÊNCIO ADOLESCENTE

O diretor de 56 anos também decidiu rodar as cenas em ordem cronológica, o
que foi um desafio logístico à equipe:

? A trama precisava ter para os atores o mesmo sentido que tinha para os
personagens. Apesar de ter escrito o roteiro, eu mesmo acabei descobrindo mais
sobre o filme enquanto filmava. Às vezes, voltar a uma locação era complicado
para a equipe, mas sempre deixei claro que gravar numa ordem específica faria
com que a narrativa ficasse mais bem articulada.

O traço mais marcante do jovem
protagonista é o silêncio. Ele atravessa os conflitos praticamente sem diálogos,
quase como um observador. Mesmo assim (e talvez por isso mesmo), o público jovem
tem se identificado com o personagem. Em uma das escolas onde mostrou o filme,
Goulart ouviu uma menina de 16 anos dizer, emocionada, que nenhum outro filme a
havia tocado de forma tão intensa.

? Eu esperava que gostassem do filme, mas não um público tão jovem. Minha
intenção era fazer um longa para qualquer pessoa ? diz Goulart.