A reportagem do Hoje Express foi até a unidade prisional e acompanhou a rotina das Pessoas Privadas de Liberdade (PPL) - Foto: Paulo Eduardo | Hoje Express
A reportagem do Hoje Express foi até a unidade prisional e acompanhou a rotina das Pessoas Privadas de Liberdade (PPL) - Foto: Paulo Eduardo | Hoje Express

Cascavel e Paraná - O som das máquinas se mistura ao murmúrio constante de vozes concentradas. Dentro da Penitenciária Industrial Marcelo Pinheiro – PIMP, em Cascavel, cada gesto de trabalho carrega consigo mais do que produtividade: carrega esperança. É onde os apenados encontram uma chance de reescrever suas histórias, guiados pelo esforço diário e pela disciplina imposta pelo próprio cotidiano prisional.

A reportagem do Hoje Express foi até a unidade prisional e acompanhou a rotina das Pessoas Privadas de Liberdade (PPL). Para muitos, o trabalho não é apenas uma ocupação. É uma forma de ocupar a mente, afastar o peso da solidão, preparar-se para um futuro possível, como conta João da Silva [nome fictício], de 36 anos. “É muito importante que a gente ocupe bastante a cabeça com coisas que vão aderir no nosso futuro. Então é muito importante esse trabalho”.

João já passou por diferentes setores da unidade, aprendeu com o artesanato e com a gráfica, mas hoje dedica-se à rouparia da penitenciária. Ele carrega consigo o arrependimento de um passado marcado por desavenças que resultaram em homicídio, mas também a determinação de reconstruir sua vida. “Me arrependo muito. Se fosse hoje, eu procuraria ir embora, sair do lugar, mas não iria fazer isso. Tenho planos em reconstruir a minha vida, longe de crime, longe dessa vida aqui”.

Além do trabalho nas indústrias instaladas na unidade, os apenados têm acesso a uma série de atividades educativas e profissionalizantes, como cursos de costura, panificação e corte de cabelo, além de aulas presenciais e formações online oferecidas em parceria com instituições de ensino. Essas ações ampliam as possibilidades de reinserção social, preparando os internos para o mercado de trabalho.

Foto: Paulo Eduardo | Hoje Express

Aprendizado que vai além das grades

José de Oliveira [nome fictício], tatuador, também vive o impacto transformador do trabalho. Há quase quatro anos na unidade, ele transita entre a cozinha, a costura e a indústria de calçados, aprendendo novas habilidades a cada passo. “Eu já tenho profissão, mas aqui dentro tive a oportunidade de aprender a trabalhar com outras coisas”, conta.

Apesar da distância física de sua família, José sente que o trabalho ajuda a manter os laços vivos. As visitas semanais de mãe, irmãos e tia transformam-se em momentos de conforto e incentivo. “Ansiedade todo mundo tem, né? De voltar, reconstruir a vida, de tentar reparar os erros de alguma maneira”, diz ele.

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O olhar de quem oferece oportunidades

Do outro lado do processo, aqueles que lideram os setores produtivos dentro da penitenciária compartilham uma percepção de aprendizado mútuo. Maria Alves Tobias, líder de setor, não esconde a admiração pela dedicação dos internos. “Eles trabalham muito bem. Quase não param. Têm uma facilidade para aprender, sabe? Então é bom de trabalhar. Eu gostei mais de trabalhar aqui do que lá fora”.

Rogério Marques de Negreiros, encarregado de produção, destaca o valor da segunda chance.
“É gratificante ver que a pessoa quer uma segunda chance na vida. Uma colaboração deles com a empresa e a empresa com eles. O ser humano sempre precisa de uma segunda chance”.

Trabalho como caminho para a ressocialização

A rotina produtiva dentro da penitenciária não é apenas sobre a entrega de bens ou serviços; é sobre autoestima, responsabilidade e futuro. Através do trabalho, João e José encontram meios de se reconectar com a sociedade e consigo mesmos, aprendendo novas habilidades e percebendo que o esforço diário é, em si, uma forma de redenção.

Para os representantes das indústrias, a experiência dentro da PIMP mudou a forma como enxergam as pessoas privadas de liberdade. O que era receio tornou-se confiança, e o que era obrigação passou a ser uma oportunidade de testemunhar histórias de transformação. “A gente entra aqui e vê que o ser humano tem a oportunidade de mudar, crescer na vida. Basta querer”, afirma Rogério, com a convicção de quem já presenciou lágrimas e sorrisos de arrependimento e esperança.

O olhar da Polícia Penal sobre o recomeço

Para o coordenador da 8ª Região da Polícia Penal do Paraná, Thiago Correia, o trabalho desenvolvido na Penitenciária Industrial Marcelo Pinheiro é o retrato mais claro de como o sistema prisional pode ser transformador quando oferece oportunidades reais. “Nem todos chegam aqui prontos para essa rotina. Antes de virem para a unidade industrial, passam pela triagem e por outras etapas, como a Penitenciária Estadual Thiago Borges de Carvalho – PETBC, antiga PEC. Mas aqui é o lugar mais desejado por eles, porque praticamente todos estudam ou trabalham. É onde o apenado percebe que pode mudar a própria história”, explica.

A cada três dias de trabalho, o preso reduz um dia da pena. Além da remição, recebe um salário — parte pode ser usada para pequenas necessidades, outra enviada à família, e uma parcela obrigatória é depositada em uma poupança prisional, liberada apenas após o cumprimento da pena.

Foto: Paulo Eduardo | Hoje Express

Ressocializar é mais que punir

O coordenador destaca que o processo de ressocialização começa desde a prisão, passando por diferentes fases até o regime aberto. “A Polícia Penal acompanha o indivíduo desde o primeiro dia de cárcere até o fim da pena. É o que chamamos de tratamento penal. O foco não é apenas a punição, mas a reprogramação do comportamento para que ele volte ao convívio social”, afirma.

Thiago diferencia dois caminhos: o da ressocialização, para quem já teve contato com a sociedade e se desviou, e o da socialização, voltado a pessoas que nunca tiveram estrutura familiar ou acesso à educação. “Há casos de apenados que chegam aqui analfabetos. Dentro do sistema, eles têm contato com a escola, com professores, com o estudo. É um processo de reconstrução que começa do zero”.

Foto: Paulo Eduardo | Hoje Express

Projetos que devolvem à sociedade

Dentro da PIMP são desenvolvidos projetos que ajudam a reforçar o senso de pertencimento e empatia dos internos. Entre eles, o “Projeto Pipoca”, que produz camas e casinhas para cães em situação de rua, e o “Projeto Polvinho”, que confecciona brinquedos entregues a crianças socorridas pelo Samu e pelo helicóptero aeromédico. “Essas ações permitem que o apenado devolva algo à sociedade. Ele entende que, em algum momento, tirou algo da comunidade e agora está devolvendo de forma positiva. Isso gera pertencimento, e muitos se emocionam ao perceber que estão ajudando outras pessoas”.

A seleção para participar dessas atividades é criteriosa. Somente internos que demonstram vontade real de mudança e não têm envolvimento com facções criminosas são incluídos. “A Polícia Penal tem duas vertentes — o braço amigo do Estado, que oferece oportunidade e recomeço, e o braço forte, que atua com firmeza quando há resistência à mudança. Quem escolhe o caminho é o apenado”, reforça.

Modernização e avanços

Nos últimos anos, a Polícia Penal passou por um processo de modernização e reconhecimento.


“Desde 2019, com a transformação do cargo de Agente Penitenciário em Policial Penal, ganhamos autonomia e estrutura. Hoje realizamos operações de forma independente, com viaturas, armamentos modernos e sistemas de monitoramento, como as tornozeleiras eletrônicas”, explica Thiago.

Segundo ele, o Paraná caminha para a contratação de mais de 500 novos policiais penais e a ampliação de unidades prisionais de segurança máxima.

Além das grades, um futuro possível

O som das máquinas continua, constante e firme, como um metrônomo que marca o tempo da reconstrução. João sonha em se reencontrar com a família, enquanto José planeja retomar a carreira artística que começou fora dali. Ambos carregam a certeza de que o crime do passado não define todo o futuro — e que o trabalho dentro da PIMP é mais do que ocupação: é oportunidade, aprendizado e dignidade restaurada.

No coração da Penitenciária Industrial Marcelo Pinheiro, a ressocialização não é apenas um conceito: é uma prática diária, feita de mãos calejadas, olhares atentos e histórias humanas que pedem para serem contadas. Entre paredes, máquinas e rotinas rigorosas, o futuro se constrói um passo de cada vez — e, para aqueles que se dedicam a ele, cada passo é um renascimento.