Cotidiano

Construção civil segue aquecida, mas convive com a informalidade

Construção civil segue aquecida, mas convive com a informalidade

O momento da construção civil mantém o clima favorável, aquecido mesmo com o “inverno da pandemia”. O setor vive um “boom”, com obras pipocando por todos os lados. O crescimento vertical e de loteamentos é exponencial em Cascavel e também no Oeste do Paraná. De outro lado, a informalidade ainda paira sobre os canteiros de obras em Cascavel e região. Apesar de todos os esforços e campanhas educativas e de orientação, se estima que ao menos 50% dos trabalhadores da construção civil estejam prestando serviço na informalidade.

A observação, que merece total atenção, é de uma das principais autoridades no assunto em todo o Estado, o engenheiro de segurança no trabalho, Agnaldo Mantovani. “A informalidade é considerada um desvio de conduta. O processo formal exige contratação e todos os benefícios para o trabalhador, ou seja, o trâmite legal de acordo com a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) e normas regulamentadoras que o Brasil elegeu como norteadoras para fazer a coisa certa”, comenta Mantovani.

A informalidade está à margem de todo o processo legal. “Traz uma série de impactos negativos para o setor, para economia e para a família do trabalhador, sem nenhum respaldo jurídico”, alerta. Em casos de acidentes, o profissional não tem ninguém a quem recorrer de maneira legal e muito menos indenização enquanto estiver afastado das atividades laborais. Além disso, no fim do ano, fica sem ter como reivindicar o 13º salário e o 1/3 de férias, sem contar a ausência do direito de descanso semanal. “Em suma, é o avesso de todo benefício proporcionado pela legalidade”, enfatiza o engenheiro de segurança no trabalho.

As ações agora estão voltadas a garantir a retomada do Comitê de Incentivo à Formalidade.

 

Ações antigas

Agnaldo Mantovani mostra um boletim informativo ainda de março de 2002, quando ocorreram as primeiras reuniões para implantação da então Comissão de Estudos e Fiscalização, fundamentada por visitas a obras em andamento no município. A comissão tinha como integrantes representantes dos trabalhadores, dos empresários e entidades ligadas à fiscalização. Naquela ocasião, foi constatado que 90% dos trabalhadores nos canteiros de obras prestavam serviço de maneira clandestina, ou seja, sem registro profissional.

“A informalidade é um câncer ao setor produtivo, com ênfase para o setor da construção civil”. Para as edificações públicas, o governo municipal também precisa ficar atento e exigir a prestação de serviço de colaboradores qualificados e dentro da formalidade, conforme Mantovani. “Tanto diretamente, por meio das empresas contratadas, como de terceiros”. A terceirização é permitida pelo Brasil, com endosso do Supremo Tribunal Federal. Contratar profissionais sem registro em carteira é crime e pior ainda, se o prestador do serviço está atuando, recebendo o seguro desemprego.

 

Acidentes

Outro dado que merece atenção. Boa parte dos acidentes de trabalho registrados nos canteiros de obras, tem o envolvimento dos trabalhadores informais. As causas, não poderiam ser diferentes: a ausência do EPI (Equipamento de Proteção Individual). “A informalidade arrasta outros males. Sem treinamento adequado e EPI, a chance de um acidente ocorrer é bem maior”. De acordo com o engenheiro de segurança, quando um acidente ocorre, a informalidade é tão danosa que é difícil, inclusive, constar nas estatísticas oficiais. “A falta de registro é tão perversa que ela esconde o problema”.

A fiscalização é um ponto fundamental para coibir esse tipo de prática nos canteiros de obras. Elas envolvem o sindicato que representa os trabalhadores, a Vigilância Sanitária, o CREA-PR – na questão mais pertinente aos profissionais da engenharia e questões de segurança –, e o Ministério do Trabalho, que emite autos de infração mais robustos e revestidos de legalidade. “O grande dilema no Ministério Público do Trabalho é a falta de auditores e por isso não se pode exigir que estejam a todo o momento no canteiro de obras”.

A formalidade no canteiro de obras treina, educa e entrega equipamentos aos colaboradores para proteção individual. “Já a informalidade faz o contrário, deseduca e prejudica todo o trabalho da cadeia formal”.

 

Crea-PR é parceiro no combate a informalidade

 

O gerente regional do CREA-PR em Cascavel, Geraldo Canci, explica que o CREA-PR não fiscaliza casos informais e de registro profissional, mas demonstra preocupação com este assunto. “Todos os trabalhadores precisam atuar de forma regular, tanto na questão do registro, como na trabalhista, de segurança, entre outros pontos relevantes”. Conforme Canci, o CREA-PR tem realizado ações em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil, em consonância com o Comitê de Incentivo à Formalidade, onde são feitas fiscalizações. “O CREA-PR sempre tem focado na fiscalização do exercício profissional, nas atividades da engenharia e atento à participação do profissional habilitado para este serviço”.

 

Mesmo cenário Em Maringá

O Comitê de Incentivo à Formalidade do Sinduscon-PR de Maringá, realizou recentemente a visita em 115 canteiros de obras na Cidade Canção e nos municípios daquela microrregião. Constatou-se 703 trabalhadores. Deste total, 401 registrados em carteira (57%) e 302 informais (43%). Os outros 21 trabalhadores (2,9%) informaram que são MEIs (Microempreendedores Individuais). Já nas obras de pessoas físicas, o percentual chegou a 53% e nas jurídicas, o número de trabalhadores sem contrato em carteira chegou a 12%. A partir da intervenção do comitê, dos 302 trabalhadores informais, 84 deles, ou seja, 27,8%, regularizaram a situação com registro em carteira

 

Números preocupam o sindicato que representa os trabalhadores

O Sintrivel (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de Cascavel e Região), representa nove mil trabalhadores de Cascavel e mais 26 municípios da microrregião. “O carro-chefe de nossa entidade na condição de representante da categoria é combater a informalidade”, destaca o presidente Roberto Leal Americano, que está na presidência do Sintrivel há 8 anos. Para ele, apenas com a formalidade e possível oferecer segurança no trabalho, direitos trabalhistas adquiridos, entre outros benefícios laborais como fundo de garantia por tempo de serviço, INSS, férias, e muito mais.

Número apurados pelo O Paraná junto ao Sintrivel, mostram que de janeiro até agora, foram visitadas 189 obras, totalizando 1.014 trabalhadores. Apenas 365 apresentaram registro profissional e o restante, atuavam na informalidade. “Depois da visita feita nos canteiros de obras, conseguimos regularizar 154 trabalhadores, mas ainda ficaram 519 sem registro, ou seja, metade ainda permaneceu na ilegalidade”, comenta o presidente do Sintrivel.

“O grande problema é o estigma de que se ganha mais dinheiro trabalhando na informalidade. Evidentemente que todo mundo envolvido, ganha um pouco mais até acontecer um problema, como acidente ou morte ou até adoecer e precisar de atendimento médico e ser obrigado a recorrer ao SUS”, enfatiza Americano.

 

“Falsa ilusão”

A informalidade é um dos principais gargalos da construção civil em Cascavel e região. “A clandestinidade gera uma falsa ilusão para o trabalhador e ao empregador. O que poucos sabem é que, quando acontecer algum acidente, quem vai pagar é o SUS, ou seja, nós, contribuintes”. Ele entende que a informalidade não acabará tão cedo. “A esperança é a cobrança de encargos condizentes para todos, quando o mercado deixar de se prostituir e parar de defender que a informalidade é mais vantajosa para ambas as partes”.

No site do Sintrivel (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de Cascavel e Região), há um relatório sobre os acidentes de trabalho registrados no ano passado. Conforme as estatísticas, 26 trabalhadores se envolveram em acidentes. Do total, a maioria entre 31 a 40 anos. Dos 26 acidentes oficiados, 21 envolveram queda de plano elevado. Dentro do quesito classificação de empregadores, 12 eram pessoas jurídicas, nove de empresas não identificadas e quatro de pessoas físicas. Em 2021, três trabalhadores morreram por conta de acidente de trabalho.

 

Salário mundo afora

Um dos fatores que fomenta a informalidade estaria atrelado à desvalorização salarial, conforme Roberto Leal Americano. Levantamento apresentado pelo Sintrivel, mostra que no Brasil, o salário mínimo por hora trabalhada é de R$ 5,51, com a média mensal girando em torno de R$ 1.212,00. Já nos Estados Unidos, o mínimo mensal é de R$ 7.018,00, correspondente a US$ 7,25 a hora. E na Alemanha, a hora paga equivale a € 12 ou a um salário mínimo mensal de R$ 11.781,00.

Já o salário médio no Brasil é de R$ 11,58 a hora ou R$ 2.548 ao mês. Nos Estados Unidos, chega a US$ 18,78 a hora e R$ 18.178 mensalmente. Por sua vez, na Alemanha, a hora trabalhada corresponde a € 24,90. Convertido em real, chega a R$ 24.460,00 ao mês. Um pedreiro em Cascavel, recebe em média R$ 2.343 por mês. Nos Estados Unidos, R$ 14.438 4 na Alemanha, essa mão de obra qualificada atinge R$ 12.617.

 

Em julho, Cascavel tinha mais de 3,2 mil obras em andamento

Referência para o Paraná e também outras regiões do Brasil, Cascavel mantém ritmo constante de crescimento. Em julho, de acordo com dados da Prefeitura de Cascavel, 3.262 construções em andamento entre obras públicas e da iniciativa privada segundo os alvarás de construção expedidos pelo Município. São obras grandes, médias e pequenas que, juntas, totalizam 228 mil metros quadrados de construção.

Para o prefeito Leonaldo Paranhos, nem mesmo as crises provocadas pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, fizeram com que os investimentos recuassem. “Essa cidade não para, Cascavel é uma cidade que olha para a crise e diz: ‘dá licença que eu quero passar’”, destaca Paranhos.

Entre as iniciativas do poder público que contribuem para o bom momento da construção civil estão programas como o Alvará Fácil e o Aprova Digital, que desburocratizam e aceleram novos empreendimentos. “O poder público não pode ser um estorvo para o empreendedor, tem a obrigação de facilitar a vida de quem quer investir, gerar emprego e renda. Isso faz com a vida de todos melhore”, observa Paranhos.

Outra prova desse avanço foi a realização da ExpoConstruindo, também realizada em julho, no Centro de Convenções e Eventos de Cascavel, que movimentou mais de R$ 30 milhões em negócios da construção civil.

 

Paraná foi destaque nos custos do setor em julho

No início de agosto, o Sinapi (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil) do IBGE, divulgou o Índice Nacional da Construção Civil que avançou 1,48% em julho, o que significa um recuo de 0,17 ponto percentual em relação ao apurado em junho: 1,65%. O acumulado de janeiro a julho é de 9,11%, mas, nos últimos 12 meses, atingiu 14,07%. Esse percentual é um pouco abaixo dos 14,53% registrados nos doze meses imediatamente anteriores, mantendo certa estabilidade, segundo especialistas.

O gerente do Sinapi, Augusto Oliveira, explicou que o segundo semestre começa com o terceiro maior índice do ano. A influência, mais uma vez, é da alta nas duas parcelas que o compõem: material e mão de obra. O custo nacional da construção, por metro quadrado, chegou a R$ 1.652,27 em julho. Desse valor, R$ 987,88 correspondem a materiais e R$ 664,39 à mão de obra. No mês anterior, o custo nacional tinha fechado em R$ 1628,25.

Em relação a junho, a taxa da parcela de materiais alcançou 1,38%, o que significa alta de 0,19 ponto percentual. Naquele mês tinha ficado em 1,19%. Na comparação com o índice de julho de 2021, que era de 2,88%, houve queda de 1,50 ponto percentual. “A parcela dos materiais apresentou alta em relação ao mês anterior. Quando comparado ao índice de julho de 2021, temos uma queda significativa”, disse o gerente.

A maior taxa entre os estados foi anotada no Paraná, com avanço na parcela de materiais e reajuste para as categorias profissionais, o que contribuiu para a variação mensal de 5,18%. “Em julho, o Paraná destacou-se com a maior taxa entre os estados. Com o Rio Grande do Sul apresentando a terceira maior taxa do mês, a região sul registrou a maior variação em julho”, observou Oliveira.