HOJE EXPRESS

Confiança no Pix e no futuro

Descubra como o sonho de um jovem vendedor inspirou reflexões sobre confiança e empreendedorismo na era do Pix - Foto: Mateus Barbieri/O Paraná
Descubra como o sonho de um jovem vendedor inspirou reflexões sobre confiança e empreendedorismo na era do Pix - Foto: Mateus Barbieri/O Paraná

Cascavel e Paraná - Poderia começar este texto com uma daquelas frases motivacionais que lotam as redes sociais, tipo “qual é o preço do seu sonho?” ou “a vida começa fora da zona de conforto”. Mas não sou tão poética assim. Dias atrás, num cruzamento central de Cascavel, fui abordada por um jovem vendendo doces. Disse que queria ser empresário e estava atrás do seu sonho. Procurei moedas no carro, mas ele me interrompeu: “Pode fazer um Pix quando chegar. Aqui é na confiança!” Como dizer não? Fiquei pensando o dia todo: “eu conto ou vocês contam?”

Só quem já empreendeu sabe o peso da burocracia, dos impostos e da luta solitária. E ainda assim, há quem sonhe — e ouse. Como ignorar um sonho sendo construído bem diante de mim? Ao invés de virar a página, sugeri a pauta na reunião de redação. E cá estamos, prontos para contar a história de Felipe Eduardo Prestes e Marco Antônio Gozzi — dois jovens que não esperam o cenário ideal para fazer acontecer.

Foto: Mateus Barbieri/O Paraná

Qual a distância até o seu sonho?

Se vender doces no semáforo já exige determinação, imagine fazer isso vindo diariamente de Toledo até Cascavel. É o que Felipe e Marco fazem — mesmo com o carro do Felipe quebrado, pegam carona por aplicativos para percorrer os 42 km. Na esquina da Paraná com Pio XII, entre um sinal e outro, contaram ao Hoje Express que começaram em Toledo, mas lá a prática é proibida. “Então viemos pra Cascavel”, disse Felipe. A Prefeitura de Toledo confirmou: todo comércio ambulante precisa de alvará e pagamento de taxas. Mas, para quem tem um sonho, o obstáculo vira só mais um motivo para seguir.

Jovens, organizados e sonhadores

Os dois têm muita desenvoltura nas abordagens, conhecem o público, os melhores horários, as melhores estratégias. São bons de papo e não precisa ser especialista para perceber que têm perfil para o comércio.

Marco Antônio Gozzi tem apenas 17 anos e estava trabalhando como aprendiz numa gigante da indústria farmacêutica, mas queria mais do que R$ 1,3 mil mensais e tem pressa. Não estava disposto a esperar o processo de desenvolvimento de carreira tradicional das empresas e pediu demissão para escrever a própria história. O pai trabalha com confinamento de gado e a mãe é dona de casa. “Quando decidi mudar de trabalho, minha mãe ficou preocupada com o que os outros iriam pensar, mas em um único dia de vendas eu mostrei o resultado e a convenci”, diz orgulhoso da própria escolha.

Em outro trabalho ele conheceu o Felipe, que tem 21 anos e mais experiência profissional, sendo a última como vendedor em uma loja de roupas e calçados importados aonde chegou a ser cogitado para gerente e ganhava cerca de R$ 3,5 mil por mês. Outro sonho do Felipe é o da casa própria, já que está noivo e pretende ‘juntar as escovas de dente’ em breve, algo que não conseguia vislumbrar com o ordenado da loja. Os pais dele têm uma marmoraria em Toledo e o DNA de empresário parece ter falado mais alto.

Para convencer a noiva, ele pediu folga na loja e veio escondido dela acompanhar dois dias do trabalho do Marco antes de mostrar à família as reais possibilidades de lucro e então conseguir o ‘aval’ da amada para se aventurar em seu projeto.

De olho no “Véio”

Marco está na rua há cerca de cinco meses e Felipe há três. Quando decidiram deixar seus trabalhos fixos, estipularam uma meta com prazo para atingirem.

Eles também analisaram o mercado e escolheram os acessórios de produtos eletrônicos – como capinhas, carregadores e películas para celulares – como seu ponto de partida no mundo dos negócios. “São produtos que têm um bom valor agregado e pela nossa localização, conseguimos comprar com facilidade”, explicaram os (“futuros”) empresários.

E se para empreender é preciso ter ousadia, para eles isso não é o problema. O prazo é o mês de dezembro deste ano e a meta é juntar R$ 15 mil até lá para iniciar no e-commerce e só depois pensar em uma loja física.

Perguntei quem é a referência deles no mundo business e a resposta estava na ponta da língua: “O veio da Havan!”, referindo-se ao empresário Luciano Hang, bilionário com centenas de lojas país afora.

Sócios confiantes

Se para o futuro serão os acessórios eletrônicos, para o presente a dupla elegeu os doces industrializados – como jujubas e paçocas de amendoim – e não é à toa. Toda escolha tem um fundamento e a dos doces foi devido à questão burocrática mesmo. “Teríamos mais lucro se produzíssemos os doces para vender e brigadeiros, por exemplo, chamam mais a atenção do que estes, porém, precisaríamos de licença sanitária e outros documentos e estrutura de preparo, algo que seria inviável para um trabalho que é temporário”, explicou Felipe.

Eles compram os doces e preparam os kits – e para isso contam com a ajuda de toda a família – organizando pacotinhos que têm a apresentação do trabalho e os dados para que o cliente faça o pagamento. No cartão está escrito “Pix da confiança”.

Na organização da atual ‘empresa’, cada um compra, monta e vende os seus kits, ou seja, cada um tem o seu próprio caixa. “Mas ao final do dia, um ajuda o outro que não atingiu a meta”, detalhou um dos sócios.

Departamento financeiro

Marco e Felipe são jovens e a empresa que eles sonham construir ainda nem tem nome definido, mas já demonstram que o departamento financeiro estará muito bem gerenciado.

“Estamos aqui todas as tardes, de segunda a sexta-feira, e só faltamos em caso de chuva”, contou Marco, que ainda detalhou as vendas. São cerca de seis horas de trabalho por dia e a meta é vender de 25 a 30 kits neste período. Durante a manhã eles fazem outras tarefas e preparam os produtos.

Eles têm um controle das vendas diárias, onde separam partes fixas para cobrir as despesas com transporte, comprar novos produtos, a parte de cada um e ainda a economia para que a vida na esquina tenha mesmo prazo de validade.

Meio minuto

Os meninos têm tudo controlado e extremamente organizado a curto, médio e longo prazo. Mas são necessários apenas 30 segundos para levar um calote. Sim, é possível que motoristas tenham coragem de pegar o pacotinho de doces e não realizar o pagamento. “Em média levamos cinco calotes por dia e este é um custo que já está calculado nas nossas saídas”, disse Marco, sorrindo como sempre, mesmo vendo seu ‘Pix da confiança’ ser quebrado quando a luz verde acende logo ali.

Dinheiro não é tudo…

…mas é quase tudo! “É um facilitador”, resumiram os jovens quando pedi que olhassem para o futuro. “Queremos ter dinheiro para poder abençoar as pessoas que amamos e outras tantas, como nos ensinou um pastor que parou o carro para conversar conosco dia desses”, contaram e então começaram a listar plano de saúde para a família, lugar para morar quando casar e outros projetos que dependem dos ‘pilas’.

Foto: Mateus Barbieri/O Paraná

Quem está ao seu lado?

Marco e Felipe têm pouca idade, mas a escolha que fizeram já os revelou as verdadeiras amizades. Foram motivo de piada entre o grupo de ‘amigos’ quando foram vistos pela primeira vez abordando os carros no sinal, mas isso não foi suficiente para fazê-los desistir do sonho.

“Caminhe com quem acredita em você”, disse Marco, com tamanho brilho nos olhos, que é impossível duvidar que terá sucesso em qualquer caminho que escolher trilhar.

Agradecimento Especial

Se você é geração 40+, deve lembrar-se dos programas da Xuxa, onde os baixinhos mandavam ‘um beijo pro meu pai, pra minha mãe e especialmente pra você’. Memória que tive quando, ao final da entrevista, perguntei se eles gostariam de acrescentar algo à matéria, o que prontamente responderam: “Podemos mandar um abraço?”. Achei, no mínimo, muito engraçado e vou registrar aqui o pedido tão espontâneo, ingênuo e verdadeiro destes meninos:

“Queremos agradecer às nossas famílias, que sempre nos apoiaram e acreditaram no nosso sonho. E um agradecimento ainda mais especial às nossas noivas: Maria Eduarda (noiva do Felipe), e Lívia Ropelli (do Marcos). Vocês são força, apoio e parte essencial dessa caminhada. Este sonho também é de vocês.”

Você acredita?

Lembra-se das frases de efeito do início deste emaranhado? Tem uma que diz ‘que tudo que um sonho precisa para ser realizado é alguém que acredite que ele possa ser realizado’. Marco acreditou primeiro, depois o Felipe e agora eu também acredito. E você, caro leitor?