Cotidiano

'Cartola ? O mundo é um moinho? procura unir perspectivas popular e política

65639022_SC EXCLUSIVO Rio de Janeiro RJ 08-03-2017 Cartola o meu mundo e um moinho - Dramaturgia.jpgRIO – O enredo do desfile está escolhido: o mestre mangueirense Cartola. Na quadra da escola de samba, o carnavalesco desenvolve o tema para seus integrantes. A situação serve de estopim para que se desenrole a vida e a obra do compositor no musical ?Cartola ? o mundo é um moinho?, que estreia quarta-feira no Teatro Carlos Gomes depois de temporada em São Paulo em 2016. Estão lá a fundação da Mangueira (e seu afastamento da agremiação), a relação de amor com Zica, além de situações que o levaram a compor alguns de seus clássicos. Uma história entremeada por pérolas como ?Alvorada?, ?Acontece? e ?As rosas não falam?, num tom que dribla a reverência e aposta na ideia do teatro popular. Isso inclui participações especiais de artistas como Xande de Pilares e Alcione, convidada da estreia.

? Quando via as pessoas falando que era legal a linguagem da Broadway ter vindo para o Brasil, porque nos permitiu fazer musicais, eu tinha vontade de perguntar: ?você não conhece a tradição do teatro de revista, de Walter Pinto?? ? diz o diretor Roberto Lage. ? Me incomodam musicais sobre figuras brasileiras com vibe americana, uma estética que não é nossa. Nosso ?Cartola? não tem nada pirotécnico, palco virando. É tudo simples. Me incomodam musicais sobre figuras brasileiras com vibe americana, uma estética que não é nossa

?Cartola? ? que tem texto de Artur Xexéo, pesquisa de Nilcemar Nogueira (neta de Dona Zica e, afetivamente, do compositor, além de secretária de Cultura do Rio), direção musical de Rildo Hora e composição inédita de Arlindo Cruz ? nasceu numa conversa de Lage com o ator e produtor Jô Santana, idealizador do espetáculo.

? Há uns três anos conversávamos sobre o desejo de resgatar essa tradição do teatro musicado brasileiro, e surgiu a ideia de fazer isso através de Cartola ? conta Santana. ? Seis meses depois, conheci Nilcemar para apresentar a ela o projeto e, naquele papo, começamos a chorar. Num outro encontro, ela me sugeriu que chamássemos Flávio Bauraqui para ser o Cartola. Na mesma noite, fui ao Baixo Gávea, e Bauraqui estava lá. Entendi como um sinal: ?Cartola quer?.

Arlindo Cruz canta ‘Mestre Cartola’

Bauraqui aceitou o convite para fazer Cartola, que ele já tinha vivido outras vezes ? entre elas no musical ?Obrigado, Cartola!?, de 2004. Virgínia Rosa foi chamada para encarnar Dona Zica. Os outros 16 atores foram escolhidos num processo que teve 3 mil candidatos e 400 audições.

? É a estética brasileira no palco. São 18 atores negros, tem gordo, tem drag queen… ? lista Santana, que adianta que o musical é o primeiro de uma trilogia (os próximos serão dedicados a Dona Ivone Lara e a Martinho da Vila).

A caracterização de Bauraqui impressiona. Ele lembra que começou ouvindo discos e tentando fazer a voz que ouvia. Até que viu um vídeo no qual o compositor aparecia caminhando na rua.

? Percebi ali que ele tinha uma realeza. Procurei entender a constituição óssea de seu rosto, a indecisão que ele tinha na fala. Numa ocasião em que encenei Cartola num evento na Mangueira, uma mulher me disse: ?Ai, Cartola, estava com uma saudade de você? ? lembra o ator, que chama a atenção para a dimensão política da reunião de atores negros no palco, contando a história de um gênio negro. ? A campanha para que a gente não exista só pode ser burlada através de atitudes como essa.

Craque na junção de timbres de orquestra com o batuque do samba, Rildo Hora buscou amarrar a parte musical a partir de referências a um quarteto improvável de amigos: Cartola, Villa-Lobos, Radamés Gnattali e Pixinguinha.

? A formação tem o piano de Radamés e o sax de Pixinguinha ? nota Hora. ? Gosto de trazer a música alta para o samba, mas priorizando a batucada. É minha maneira de fazer política.

?Cartola ? O mundo é um moinho?

Onde: Teatro Carlos Gomes ? Praça Tiradentes, s/n (2215-0556). Quando: Estreia quarta. Qui. a sáb., às 19h; dom., às 17h. Até 28 de junho. Quanto: R$ 70 e R$ 80. classificação: 12 anos.