
Depois de quatro décadas cultivando o excepcionalismo britânico, a sensação é de que tudo tenha ido longe demais. Uma extraordinária sucessão de informes sensatos demonstra que o Brexit acarretaria graves danos a longo prazo e um choque de imediato, inclusive, mais ao Reino Unido que à Europa continental. E que tipo de líder submeteria um país e um continente que a duras penas se recuperam da pior crise em décadas a um risco dessa magnitude? Alguém que pensa que já ganhou a partida de antemão, imaginava Bruxelas, sobre a jogada arriscada de Cameron.
Umberto Eco costumava dizer que 25% dos britânicos pensavam que Winston Churchill era um personagem de ficção, segundo uma pesquisa publicada nos jornais diários de Londres. E Bruxelas, nessa linha, chegou a crer que o Brexit fosse uma quimera irrealizável: uma espécie de obra de ficção. Mas as pesquisas, desta vez, obrigaram as instituições a despertarem repentinamente: eles são 50% e têm provocado um surto de nevosismo espetacular. Em parte pela sujeira associada à campanha, tanto pelo lado do Brexit (que joga com os números de imigração), como pelo lado dos que defendem que o Reino Unido permaneça com a União Europeia, que se empenham em demonstrar que o Brexit seria o fim do mundo conhecido.
Mas a vida segue, apesar dos riscos dos referendos, porque nesse tipo de votos frequentemente a ira pesa mais que a reflexão. Bruxelas, apesar dos pesares, seguia confiante de que a sanidade iria se impor. O Reino Unido seguirá na União Europeia, é o que se ouvia nos corredores quilométricos da Comissão e do Conselho, onde os eurocratas têm teorias para tudo: entre 10% de indecisos, sustentavam, há mais gente inclinada ao voto pró-europeu que ao Brexit, cujos partidários têm tudo mais às claras. Ainda assim, Bruxelas decretou o alerta laranja. Pelo que possa suceder. E sobretudo porque teme que, independente do resultado, o referendo não seja mais que um mero sintoma de algo mais profundo, mais sombrio, mais feio: a suspeita de que o projeto europeu já não seja irreversível paira no ar desde que há um ano a Alemanha ameaçou a Grécia de expulsão da Zona do Euro. O Reino Unido é 15 vezes maior que a Grécia. E que ninguém se acomode: pode ser que queira sair, e que em consequência outros países decidam seguir o mesmo caminho. Esse é o verdadeiro temor em Bruxelas.