Cotidiano

À espera das eleições, peruanos no Brasil temem o sobrenome Fujimori

RIO – Por dificuldades ou oportunidades de trabalho, mais de 40 mil peruanos vivem hoje no Brasil. Muitos vieram num contexto de instabilidade econômica e política vivido antes e durante o governo Alberto Fujimori (1990-2000), hoje na cadeia por uma série de crimes de corrupção e lesa-Humanidade. Sua filha, Keiko, já polarizou a disputa internamente durante todo o processo eleitoral de 2016, com discursos populistas à moda do pai e sofrendo incessantes acusações de que pretende libertá-lo da prisão. Os peruanos que emigraram também não escondem: o sobrenome Fujimori é quem mais está em jogo no segundo turno deste domingo. No geral, a tônica se repete: Keiko deve responder pelo passado do pai. PERU 0406

? Votei pelo fujimorismo em 1990. Ele falava de honradez, trabalho e tecnologia. O povo se apaixonou, mas do nada ele fez um choque, subiu preços. Estava vendendo o Peru, mesmo trazendo lucros. Manipulava a TV, a imprensa. Chateou a população ? reclama o chef Pablo Macário, que veio para o Brasil em 2012 e hoje comanda uma ?pollería? (casa especializada em frango assado à moda peruana) no Campinho, zona oeste do Rio.

Pablo, que veio da região central de Junín, afirma que não daria voto a Keiko. Num processo eleitoral que se focou intensamente na segurança, ele diz estar preocupado por outro aspecto: a inclusão social. Se tivesse que escolher alguém, seria Julio Guzmán, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento inabilitado antes do primeiro turno. Mas vota, no segundo turno, em Pedro Pablo Kuczynski, o economista e ex-ministro que angariou apoios de vários ex-candidatos para barrar Keiko no segundo turno.

? Não gosto de Kuczynski, mas ele é conhecido, respeitado, seria minha opção. Minha irmã vota em Keiko, outros votam por ele. Mas o foco que espero é: por que não investem em educação? É o futuro.

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VOTO ÚTIL EM EX-MINISTRO

No dia da votação no primeiro turno, em abril, Keiko foi alvo de um protesto na Praia de Botafogo, zona sul do Rio, o único registrado no Brasil. Dezenas de conterrâneos expatriados carregaram cartazes e faixas dizendo ?Não a Keiko?, ?Contra a ditadura? e outros lemas acusando-a de ser uma cópia do pai. No domingo (5), muitos deles voltam a se reunir em um colégio no mesmo bairro para um ?voto útil? em Kuczynski.

Uma das organizadoras da manifestação de abril foi a internacionalista Vanina Montalvo. Recentemente formada na Universidade Federal Fluminense (UFF), ela não abre mão de se mobilizar contra uma corrente política que, até meses atrás, parecia ter ficado no passado.

? Nasci em junho de 1992 e, graças a Fujimori, numa ditadura. Muita gente diz que nós, jovens, não vivemos aquela época e não podemos opinar sobre ela, mas agora vivemos a era da internet, não podemos mais ser manipulados e a História não mente. Estamos bem informados e conscientes da conjuntura política do nosso país, por isso rejeitamos a candidatura de Keiko Fujimori. Não somente por ser filha de um corrupto e criminoso que atentou contra os direitos humanos, mas porque está rodeada pelo mesmo grupo político que destruiu nosso país.

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A preocupação com o legado do fujimorismo também atinge o engenheiro industrial Iván Pavletich. Aos 31 anos, está há dois no Rio, para onde veio por um convite de trabalho. Simpatizou com a deputada de esquerda Verónika Mendoza, terceira colocada no primeiro turno, ?porque ela tinha propostas necessárias de inclusão social e igualdade para minorias excluídas, como as populações indígena e LGBT?. Vê em Keiko o oposto.

? Keiko tem políticas ultraconservadoras e tem vínculos com personagens investigados por narcotráfico e lavagem de ativos, além de defender o governo do pai e desconhecer os crimes pelos quais ele está na cadeia ? avalia. ? Acho que o próximo governo tem que lutar contra a desigualdade e respeitar a democracia, que no Peru foi difícil de se alcançar. Existe um alto risco de perder isso nessas eleições, por isso a maioria de setores e partidos democráticos, intelectuais, historiadores, artistas como Mario Vargas Llosa e outras personalidades apoiam Kuczynski. Não necessariamente por compartilhar de sua ideologia, mas para impedir o retorno do fujimorismo.

O radialista e fotojornalista limenho Christian Rissi também votou em Verónika. Hoje morador de Vitória, ele cobra do próximo governante mais empenho na segurança. Apesar de o combate duro ao crime ser uma das principais promessas de Keiko, Christian critica os laços dela com outros acusados ? ao menos 11 partidários que legislaram com ela no Congresso são alvo de processos por relação com o narcotráfico.

? Penso que o combate à criminalidade tem que ser duro. Mas, atualmente, não confiaria meu voto nela, pelo fato de que está vinculada com gente que tem processos na Justiça por causa do narcotráfico. Infelizmente o povo lá é muito ignorante, aceita votar em troca de dinheiro ou bens.

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ESTÍMULOS ECONÔMICOS EM JOGO

O engenheiro naval William Cipriano comemora que o segundo turno não tenha qualquer representante da esquerda. Há quase 15 anos no Rio, para onde veio em busca de especialização na área e trabalha com logística marítima, ele se diz dividido. Como membro de uma família com fãs de Fujimori e parentes que desapareceram nas mãos do grupo terrorista Sendero Luminoso ? principal oposição armada ao ex-presidente ?, ele reconhece que o ex-presidente ajudou a combater ?o caos? no país e alavancar a economia.

? Foi necessário fazer tudo naquele contexto? Na minha opinião pessoal, sim. Ele acabou com o terrorismo. O país estava quebrado no governo Alan García. Havia muitas filas, como hoje na Venezuela. Mas o segundo mandato fez uso da logística de um narco-Estado. Muito se fala do autogolpe de Fujimori. A família é sócia da maior mineradora do país. Todo o passado obscuro dele é o que a filha carrega.

William é casado com uma brasileira, mas não descarta voltar ao país natal. O principal motivo é a estabilidade econômica, a qual acredita que será mantida com qualquer um dos candidatos. Para ele, a família sai beneficiada da vitória de Keiko, enquanto ele seria amparado com Kuczynski na Presidência.

? O grupo dele tem melhores tecnocratas. Estudou no exterior, é pragmático, está preparado, teve experiência no governo e é economista reconhecido ? conta. ? Hoje, o Peru é um dos países que mais crescem na América Latina. A migração diminuiu, as pessoas estão voltando. Com a guinada ao mercado desde o governo Fujimori, o país vai crescer em função da geração de empregos. Qualquer um que ganhar será bom neste sentido. Investimentos com estímulo ao lado social são a única forma de fazer o país crescer.

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