Política

Esquema de propina permitiu tarifas abusivas e suprimiu obras

O custo da corrupção: trecho que deveria ter sido duplicado pela Ecocataratas matou 234 pessoas em 11 anos

Cascavel – A 55ª fase da Operação Lava Jato, denominada Integração II, deflagrada ontem pela Polícia Federal e pelo MPF (Ministério Público Federal) com ações simultâneas no Paraná, em Santa Catarina, no Rio de Janeiro e em São Paulo, revelou mais uma parte do quebra-cabeças de um suposto esquema milionário de corrupção envolvendo as seis concessionárias do chamado Anel de Integração (Econorte, Ecovia, Ecocataratas, Rodonorte, Viapar e Caminhos do Paraná).

Em Cascavel foi cumprido um mandado de busca e apreensão na sede da Ecocataratas e, no total, foram 73 mandados, mais 16 mandados de prisão temporária e três de prisão preventiva (veja a lista com os nomes a seguir). Até o fechamento desta edição três mandados de prisão não haviam sido cumpridos e uma pessoa era considerada foragida.

A investigação apura casos de corrupção ligados aos procedimentos de concessão de rodovias federais no Paraná e que estariam em ação desde 1999, passando por três governos: Jaime Lerner (1995 a 2001), Roberto Requião (2002 a 2010) e Beto Richa (2011 a 2018). “O ex-governador [Beto Richa] seria um dos beneficiários finais do esquema por meio de Luiz Abi [seu primo]. Em relação a outros governos, deve ser aprofundada a investigação para saber a extensão da consciência dos outros ex-governadores, mas até onde a gente sabe, esses esquemas se estendem da área técnica à esfera política”, disse o procurador Diogo Castor de Mattos, da Lava Jato.

A deflagração da operação envolveu 400 agentes da Polícia Federal, auditores da Receita Federal e membros do Ministério Público Federal.

Esta etapa foi um desdobramento da primeira fase da Integração, deflagrada em fevereiro passado. Ela só foi possível com o avanço da investigação a partir da análise de provas e acordos de colaboração premiada firmados entre a Justiça e investigados.

As investigações revelam pagamento de propina para reajuste abusivo das tarifas e supressão e adiamento de investimentos, por meio de aditivos.

Além do dinheiro deixado nas praças de pedágio, um dos principais impactos para a região oeste consta da alteração do contrato em 2005 que suprimiu mais de 125 km de duplicação da BR-277 da Ecocataratas em duas frentes, sendo metade entre Cascavel e Matelândia. Somente nesses 61 km nunca duplicados morreram nos últimos 11 anos 234 pessoas, segundo a PRF (Polícia Rodoviária Federal). Além desse percurso, também não saiu do papel a duplicação de Guarapuava a Três Pinheiros, igualmente administrado pela Ecocataratas.

Núcleos e crimes

Em todo o esquema, foram identificados os núcleos político, técnico, empresarial e de operadores financeiros. Os investigados responderão pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, fraude a licitações, lavagem de dinheiro e associação criminosa, dentre outros.

Passe o leitor de QR Code e confira a entrevista coletiva com detalhes sobre a Operação Integração.

Esquemas paralelos de propina

O MPF afirma que foram identificados dois esquemas paralelos de pagamentos de propinas relatados por réus colaboradores.

O primeiro, iniciado em 1999, era intermediado pela ABCR (Associação Brasileira de Concessões Rodoviárias). Em reuniões presenciais realizadas na sede do DER-PR naquele ano, as seis concessionárias acertaram o pagamento mensal de propinas a agentes públicos no DER a fim de obter a “boa vontade” para a análise de pleitos de aditivos e outros atos que atendessem aos interesses das empresas. Esses pagamentos contaram com a intermediação do diretor regional da ABCR, João Chiminazzo Neto, alvo de mandado de prisão preventiva ontem.

De acordo com os colaboradores, no início do esquema o valor arrecadado por mês de propina era de R$ 120 mil, rateados entre as seis concessionárias proporcionalmente ao faturamento de cada uma.

A Lava Jato aponta que os beneficiários da propina eram agentes públicos do DER e, após 2011, da Agepar (Agência Reguladora do Paraná). “Para obtenção de dinheiro em espécie, as concessionárias simulavam ou superfaturavam a prestação de serviços com empresas envolvidas no esquema. Entre os operadores financeiros que simulavam a prestação de serviços estavam Adir Assad e Rodrigo Tacla Duran (…) Somente para o Grupo Triunfo, controlador da Econorte, Assad faturou R$ 85 milhões em notas frias. Já para o Grupo CCR, controlador da Rodonorte, foram produzidas notas frias que somaram R$ 45 milhões”, afirma a Lava Jato. “Somente deste esquema, estima-se o pagamento de propina de aproximadamente R$ 35 milhões, sem atualização monetária. Os pagamentos duraram até o fim de 2015”.

Irregularidades nos aditivos

Conforme a força-tarefa da Lava Jato, com o esquema de vantagens indevidas no DER, em 2000 e 2002 o governo do Paraná firmou aditivos contratuais com todas as concessionárias. Em 2000 o governador era Jaime Lerner e, em 2002, Roberto Requião. “Esses aditivos geraram polêmica e foram objeto de dezenas de ações judiciais, especialmente porque reduziram investimentos e elevaram as tarifas”, afirmam os investigadores.

Em 2012, análise de auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) identificou irregularidades nos aditivos. A Procuradoria identificou que outros atos administrativos e aditivos favoreceram as concessionárias.

Propina à CPI e ao TCE-PR

As investigações indicam ainda que, em 2013, João Chiminazzo intermediou o pagamento de propina para agentes públicos da CPI dos Pedágios e ao TCE-PR (Tribunal de Contas do Estado). O objetivo era obstar as investigações iniciadas na Assembleia Legislativa e também impedir a fiscalização do TCE nas concessionárias.

A Lava Jato aponta evidências de que, em janeiro de 2011, foi implementado no governo estadual do Paraná esquema de pagamentos de propinas mensais de aproximadamente 2% dos valores de cada contrato vigente com os fornecedores do DER. Esse esquema durou até 2014, período em que teriam sido pagos R$ 20 milhões em propinas.

Para a produção dos valores em dinheiro vivo, as concessionárias superfaturavam a contratação de serviços com empresas indicadas por Pepe Richa, então secretário de Infraestrutura e Logística.

Ao menos 70 empresas estiveram envolvidas nesse esquema, entre elas as concessionárias do Anel de Integração.

Além do esquema de pagamento de propinas por intermediários, as concessionárias mantinham pagamentos diretos a determinados agentes públicos do DER e da Agepar. A última propina direta foi paga em janeiro de 2018, pouco antes da prisão do ex-presidente da Econorte Helio Ogama, que firmou acordo de colaboração premiada.

As irregularidades começaram a ser apontadas por um grupo de trabalho do MPF em 2013 com a identificação de 13 atos secretos que beneficiaram as concessionárias, além de diversas doações eleitorais suspeitas. Desde então foram obtidas evidências de quebra de sigilo de dados bancários, fiscais, telemáticos e telefônicos que comprovaram as afirmações dos colaboradores. Além disso, foram realizadas diligências que comprovaram a utilização de dinheiro em espécie por parte dos beneficiários.

RETRANCA

Governadora exonera investigados

Ontem à tarde a governadora Cida Borghetti determinou a exoneração de pessoas que ocupam cargos em órgãos do Estado e foram alvo de prisão ou de mandados de busca e apreensão.

Foram desligados ontem: Antônio Carlos Cabral de Queiroz (comissionado Agepar); Maurício Eduardo Sá de Ferrante (comissionado Agepar); Luiz Cláudio da Luz (comissionado Secretaria da Infraestrutura e Logística), Andréa Regina Abrão Martins (comissionada Secretaria da Infraestrutura e Logística), Maria do Carmo Cattani (servidora Secretaria da Infraestrutura e Logística). Além dos servidores que já haviam sido exonerados anteriormente: Paulo Henrique Quintas Bley (lotado na Celepar) desligado no início do mês passado; Élbio Gonçalves Maich (DER) e José Alfredo Gomes Stratmann (Agepar) exonerado em abril.

A governadora determinou à Controladoria-Geral do Estado “a imediata instauração de um processo administrativo contra todos servidores públicos – efetivos e comissionados – citados na investigação”.

Alvos dos mandados de prisão:
José “Pepe” Richa Filho – Irmão do ex-governador Beto Richa e ex-secretário estadual de Infraestrutura e Logística. Apontado pelo MPF como comandante, ao lado de Aldair Petry, do esquema de arrecadações ilícitas do DER.
Tipo de prisão: temporária
Luiz Abi Antoun – Primo de Beto Richa, Abi é apontado como “o principal operador do caixa geral de propinas do governador do Estado do Paraná”. Ele está no Líbano.
Tipo de prisão: temporária
Aldair Wanderlei Petry (Neco) – Era diretor-geral da Secretaria de Infraestrutura e seria incumbido de arrecadações ilícitas das concessionárias.
Tipo de prisão: temporária
Antônio Carlos Cabral de Queiroz “Cabeleira” – Trabalhou no DER e na Agepar. Ele recebia propina desde 1999 e teria recebido “a última propina em janeiro de 2018”, poucos dias antes de a Operação Integração ser deflagrada.
Tipo de prisão: temporária
Maurício Eduardo Sá de Ferrante – Diretor jurídico da Agepar, Ferrante foi apontado em delação como beneficiário de propina desde 1999 até meados de 2015. Ele e outros agentes da Agepar recebiam vantagem indevida para que dessem pareceres favoráveis de desequilíbrio econômico e favorável à celebração dos aditivos.
Tipo de prisão: temporária
Luiz Claudio Luz – Foi chefe de gabinete de Pepe Richa e seria um dos beneficiários da propina arrecadada.
Tipo de prisão: temporária
João Chiminazzo Neto – Diretor da ABCR-PR desde 2000. Membro da Diretoria Executiva na condição de Diretor Regional – Paraná.
Tipo de prisão: preventiva
João Marafon Junior – Advogado e funcionário da Econorte. De acordo com o MPF, participou diretamente da atividade operacional relacionada à entrega de dinheiro para pagamentos de propina. Indícios apontam que atuava na condição de advogado da Econorte, “da elaboração de sofisticados atos jurídicos elaborados para tentar conferir aparência de legalidade aos atos ilícitos praticados pela associação/organização criminosa”.
Tipo de prisão: preventiva
Luiz Fernando Wolff de Carvalho – Presidente do Conselho de Administração da Triunfo Participações e Investimentos S.A.. Ele participava na condição de “comandante” da Econorte das reuniões com as demais concessionárias sobre o pagamento conjunto de propina aos agentes públicos.
Tipo de prisão: preventiva
Elias Abdo Filho e Ivano Abdo – Os irmãos seriam proprietários de duas empresas intermediárias de produção de dinheiro em espécie para as concessionárias. Elias também estaria envolvido em suposto esquema de lavagem de dinheiro com Pepe Richa envolvendo a aquisição de imóvel em Balneário Camboriú.
Tipo de prisão: temporária
Beatriz Luciana Ferreira Assini – Secretária de Chiminazzo, há diversos indícios de que atuou em atividades relacionadas à arrecadação de propina. Além disso, há elementos que evidenciam sua vinculação ao edifício indicado pelos colaboradores como o local de recebimento e guarda dos valores ilícitos do esquema de propina.
Tipo de prisão: temporária
Evandro Couto Vianna – Diretor superintendente da Ecovia e da Ecocataratas. Seria um articulador e negociador de propinas pagas pelas concessionárias. Ele também teria visitado o imóvel onde o presidente da ABCR desenvolvia a atividade de arrecadação de propina.
Tipo de prisão: temporária
José Camilo Teixeira Carvalho – Diretor-presidente da Viapar. Foi mencionado em delação premiada como articulador e negociador de propinas pagas pela concessionária.
Tipo de prisão: temporária
José Alberto Moraes Rego de Souza Moita – Foi presidente da Rodonorte. Foi mencionado em delação como sendo articulador e negociador de propinas pagas pela concessionária.
Tipo de prisão: temporária
Jose Juliao Terbai Junior – Diretor-presidente da Caminhos do Paraná. Foi mencionado em delação como sendo articulador e negociador de propinas pagas pela concessionária.
Tipo de prisão: temporária
Ruy Sergio Giublin – Foi administrador da Caminhos do Paraná. Foi mencionado pelos delatores como sendo articulador e negociador de propinas pagas pela concessionária, além de ser o responsável pela empresa que alugou imóvel onde Chiminazzo desenvolvia a atividade de arrecadação de propinas.
Tipo de prisão: temporária
Claudio Jose Machado Soares – Diretor da Rodonorte. Foi identificado por ter realizado cinco visitas ao imóvel onde Chiminazzo desenvolvia a atividade de arrecadação de propinas.
Tipo de prisão: temporária
Mario Cezar Xavier Silva – Empregado da Ecovia. Foi identificado por ter realizado 19 visitas ao imóvel onde Chiminazzo desenvolvia a atividade de arrecadação de propinas.
Tipo de prisão: temporária