Cascavel – A 55ª fase da Operação Lava Jato, denominada Integração II, deflagrada ontem pela Polícia Federal e pelo MPF (Ministério Público Federal) com ações simultâneas no Paraná, em Santa Catarina, no Rio de Janeiro e em São Paulo, revelou mais uma parte do quebra-cabeças de um suposto esquema milionário de corrupção envolvendo as seis concessionárias do chamado Anel de Integração (Econorte, Ecovia, Ecocataratas, Rodonorte, Viapar e Caminhos do Paraná).
Em Cascavel foi cumprido um mandado de busca e apreensão na sede da Ecocataratas e, no total, foram 73 mandados, mais 16 mandados de prisão temporária e três de prisão preventiva (veja a lista com os nomes a seguir). Até o fechamento desta edição três mandados de prisão não haviam sido cumpridos e uma pessoa era considerada foragida.
A investigação apura casos de corrupção ligados aos procedimentos de concessão de rodovias federais no Paraná e que estariam em ação desde 1999, passando por três governos: Jaime Lerner (1995 a 2001), Roberto Requião (2002 a 2010) e Beto Richa (2011 a 2018). “O ex-governador [Beto Richa] seria um dos beneficiários finais do esquema por meio de Luiz Abi [seu primo]. Em relação a outros governos, deve ser aprofundada a investigação para saber a extensão da consciência dos outros ex-governadores, mas até onde a gente sabe, esses esquemas se estendem da área técnica à esfera política”, disse o procurador Diogo Castor de Mattos, da Lava Jato.
A deflagração da operação envolveu 400 agentes da Polícia Federal, auditores da Receita Federal e membros do Ministério Público Federal.
Esta etapa foi um desdobramento da primeira fase da Integração, deflagrada em fevereiro passado. Ela só foi possível com o avanço da investigação a partir da análise de provas e acordos de colaboração premiada firmados entre a Justiça e investigados.
As investigações revelam pagamento de propina para reajuste abusivo das tarifas e supressão e adiamento de investimentos, por meio de aditivos.
Além do dinheiro deixado nas praças de pedágio, um dos principais impactos para a região oeste consta da alteração do contrato em 2005 que suprimiu mais de 125 km de duplicação da BR-277 da Ecocataratas em duas frentes, sendo metade entre Cascavel e Matelândia. Somente nesses 61 km nunca duplicados morreram nos últimos 11 anos 234 pessoas, segundo a PRF (Polícia Rodoviária Federal). Além desse percurso, também não saiu do papel a duplicação de Guarapuava a Três Pinheiros, igualmente administrado pela Ecocataratas.
Núcleos e crimes
Em todo o esquema, foram identificados os núcleos político, técnico, empresarial e de operadores financeiros. Os investigados responderão pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, fraude a licitações, lavagem de dinheiro e associação criminosa, dentre outros.
Passe o leitor de QR Code e confira a entrevista coletiva com detalhes sobre a Operação Integração.
Esquemas paralelos de propina
O MPF afirma que foram identificados dois esquemas paralelos de pagamentos de propinas relatados por réus colaboradores.
O primeiro, iniciado em 1999, era intermediado pela ABCR (Associação Brasileira de Concessões Rodoviárias). Em reuniões presenciais realizadas na sede do DER-PR naquele ano, as seis concessionárias acertaram o pagamento mensal de propinas a agentes públicos no DER a fim de obter a “boa vontade” para a análise de pleitos de aditivos e outros atos que atendessem aos interesses das empresas. Esses pagamentos contaram com a intermediação do diretor regional da ABCR, João Chiminazzo Neto, alvo de mandado de prisão preventiva ontem.
De acordo com os colaboradores, no início do esquema o valor arrecadado por mês de propina era de R$ 120 mil, rateados entre as seis concessionárias proporcionalmente ao faturamento de cada uma.
A Lava Jato aponta que os beneficiários da propina eram agentes públicos do DER e, após 2011, da Agepar (Agência Reguladora do Paraná). “Para obtenção de dinheiro em espécie, as concessionárias simulavam ou superfaturavam a prestação de serviços com empresas envolvidas no esquema. Entre os operadores financeiros que simulavam a prestação de serviços estavam Adir Assad e Rodrigo Tacla Duran (…) Somente para o Grupo Triunfo, controlador da Econorte, Assad faturou R$ 85 milhões em notas frias. Já para o Grupo CCR, controlador da Rodonorte, foram produzidas notas frias que somaram R$ 45 milhões”, afirma a Lava Jato. “Somente deste esquema, estima-se o pagamento de propina de aproximadamente R$ 35 milhões, sem atualização monetária. Os pagamentos duraram até o fim de 2015”.
Irregularidades nos aditivos
Conforme a força-tarefa da Lava Jato, com o esquema de vantagens indevidas no DER, em 2000 e 2002 o governo do Paraná firmou aditivos contratuais com todas as concessionárias. Em 2000 o governador era Jaime Lerner e, em 2002, Roberto Requião. “Esses aditivos geraram polêmica e foram objeto de dezenas de ações judiciais, especialmente porque reduziram investimentos e elevaram as tarifas”, afirmam os investigadores.
Em 2012, análise de auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) identificou irregularidades nos aditivos. A Procuradoria identificou que outros atos administrativos e aditivos favoreceram as concessionárias.
Propina à CPI e ao TCE-PR
As investigações indicam ainda que, em 2013, João Chiminazzo intermediou o pagamento de propina para agentes públicos da CPI dos Pedágios e ao TCE-PR (Tribunal de Contas do Estado). O objetivo era obstar as investigações iniciadas na Assembleia Legislativa e também impedir a fiscalização do TCE nas concessionárias.
A Lava Jato aponta evidências de que, em janeiro de 2011, foi implementado no governo estadual do Paraná esquema de pagamentos de propinas mensais de aproximadamente 2% dos valores de cada contrato vigente com os fornecedores do DER. Esse esquema durou até 2014, período em que teriam sido pagos R$ 20 milhões em propinas.
Para a produção dos valores em dinheiro vivo, as concessionárias superfaturavam a contratação de serviços com empresas indicadas por Pepe Richa, então secretário de Infraestrutura e Logística.
Ao menos 70 empresas estiveram envolvidas nesse esquema, entre elas as concessionárias do Anel de Integração.
Além do esquema de pagamento de propinas por intermediários, as concessionárias mantinham pagamentos diretos a determinados agentes públicos do DER e da Agepar. A última propina direta foi paga em janeiro de 2018, pouco antes da prisão do ex-presidente da Econorte Helio Ogama, que firmou acordo de colaboração premiada.
As irregularidades começaram a ser apontadas por um grupo de trabalho do MPF em 2013 com a identificação de 13 atos secretos que beneficiaram as concessionárias, além de diversas doações eleitorais suspeitas. Desde então foram obtidas evidências de quebra de sigilo de dados bancários, fiscais, telemáticos e telefônicos que comprovaram as afirmações dos colaboradores. Além disso, foram realizadas diligências que comprovaram a utilização de dinheiro em espécie por parte dos beneficiários.
RETRANCA
Governadora exonera investigados
Ontem à tarde a governadora Cida Borghetti determinou a exoneração de pessoas que ocupam cargos em órgãos do Estado e foram alvo de prisão ou de mandados de busca e apreensão.
Foram desligados ontem: Antônio Carlos Cabral de Queiroz (comissionado Agepar); Maurício Eduardo Sá de Ferrante (comissionado Agepar); Luiz Cláudio da Luz (comissionado Secretaria da Infraestrutura e Logística), Andréa Regina Abrão Martins (comissionada Secretaria da Infraestrutura e Logística), Maria do Carmo Cattani (servidora Secretaria da Infraestrutura e Logística). Além dos servidores que já haviam sido exonerados anteriormente: Paulo Henrique Quintas Bley (lotado na Celepar) desligado no início do mês passado; Élbio Gonçalves Maich (DER) e José Alfredo Gomes Stratmann (Agepar) exonerado em abril.
A governadora determinou à Controladoria-Geral do Estado “a imediata instauração de um processo administrativo contra todos servidores públicos – efetivos e comissionados – citados na investigação”.