Cotidiano

STF mantém proibição de escolas particulares recusarem alunos com deficiência

BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a validade do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que obriga escolas privadas a receberem matrículas de alunos com deficiência no ensino regular e promover a adaptação necessária deles, sem repassar qualquer ônus financeiro à família. A decisão foi tomada em uma ação direta de inconstitucionalidade apresentada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), que é contrária à norma. A instituição queria obter o direito de cobrar valores mais elevados em mensalidades, anuidades e matrículas de alunos com necessidades especiais.

A lei que instituiu a obrigação às escolas particulares foi editada no ano passado. Em seguida, a Confenen entrou com a ação no STF. Em novembro passado, o relator da ação, ministro Edson Fachin, negou a liminar à instituição. Nesta quinta-feira, o plenário do tribunal manteve a decisão por nove votos a um. Apenas o ministro Marco Aurélio Mello concordou com o argumento das escolas. O ministro Celso de Mello estava ausente.

Para a Confenen, a norma gera alto custo às escolas privadas e pode inclusive provocar a falência de estabelecimentos de ensino. A defesa da instituição argumentou que o dever ao atendimento educacional aos deficientes é do poder público, e não da iniciativa privada. Na ação, a Confederação argumenta que os dispositivos da lei “frustram e desequilibram emocionalmente professores e pessoal da escola comum, regular, por não possuírem a capacitação e especialização para lidar com todo e qualquer portador de necessidade e a inumerável variação de cada deficiência”.

O primeiro a votar foi Fachin. Ele reiterou a decisão tomada no ano passada, em defesa da pluralidade e da igualdade no ensino privado.

— À escola não é dado escolher segregar ou separar, mas seu dever é ensinar incluir e conviver. O enclausuramento em face do diferente furta o colorido da diversidade da convivência. É somente com o convívio com a diferença que pode haver a construção de uma sociedade livre justa e solidária — declarou o relator.

Em seguida, oito ministros concordaram com ele.

— Uma escola que se preocupe em preparar os alunos para a vida deve encarar a presença de crianças com deficiência como uma oportunidade de mostrar para as crianças um ambiente de solidariedade e de fraternidade — ponderou Teori Zavascki.

— Essa inacessibilidade dessas crianças deficientes realiza um preconceito. O preconceito é a pior das deficiências. E dessas pessoas preconceituosas as escolas estão lotadas — declarou Luiz Fux.

Único a discordar dos colegas, Marco Aurélio argumentou que a lei implicava em muito prejuízo para as escolas particulares. Ele também afirmou que o poder público não pode interferir de forma tão incisiva na iniciativa privada.

— Não pode o Estado cumprimentar com o chapéu alheio. O Estado não pode obrigar a iniciativa privada a fazer o que ele não faz — alegou.

Antes de começar o julgamento, houve sustentações orais a favor e contra a lei.

Grace Mendonça, da Advocacia-Geral da União (AGU), defendeu a constitucionalidade da norma. Destacou que a propriedade privada cumpre sua função social quanto atende a política de inclusão. Também atacou o argumento de que impedir cobrança de valores diferentes signifique onerar as pessoas sem deficiência pelos custos com aquelas com deficiência. Isso porque os deficientes, por suas limitações, não poderão usufruir de todos os ambientes e equipamentos disponíveis na escola. Nesse caso, a pessoa com deficiência é que estaria bancando custos das pessoas sem deficiência.

— Essa cobrança de valores adicionais acaba dificultando ainda mais e constituindo um obstáculo a mais para a inclusão de um grupo social que faticamente é excluído da sala de aula — afirmou Grace.

A advogada Rosângela Wolff Moro, casada com o juiz Sérgio Moro, da Lava-Jato, defendeu a Federação Nacional das Apaes (Fenapaes) no processo. Ela citou a convenção internacional que trata dos direitos de pessoas com deficiência para sustentar que não deve haver cobranças diferenciadas.

— Nos termos dessa convenção internacional, é a sociedade que tem se adequar para receber essas pessoas. A sociedade tem que promover a eliminação de toda e qualquer barreira. Exemplo: os hotéis têm que disponibilizar 10% de suas acomodações acessíveis. Frotas de veículos que alugam: um para cada 20 de sua frota. Frotas de táxi: 10%. Com a educação não é diferente, e com um agravante. A educação, ainda que pese ser prestada por entidade particular, ainda é um serviço público — disse Rosângela.

A vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, também pediu que o pedido da Confenen fosse negado. Ela demonstrou preocupação com uma cartilha orientativa da instituição, distribuída às escolas, segundo a qual o estabelecimento de ensino pode exigir um laudo completo de avaliação das crianças com deficiência. Segundo Ela Wiecko, isso não pode significar obstáculo ao acesso das pessoas com deficiência.

— Se na decisão de Vossas Excelências (ministros do STF) pudesse ficar claro, ter algum olhar, alguma manifestação no sentido de que, enquanto não julgado o mérito, essa cartilha orientativa seja interpretada de uma forma sempre em favor da pessoa com deficiência, e não em favor da escola no sentido de colocar obstáculos ao acesso — disse a procuradora.